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O Estado das Coisas: O cinema de Wim Wenders na Praia Grande

Classificação: *****

O Estado das Coisas é um filme central na obra de Wim Wenders. Uma obra que fixa um momento decisivo na sua carreira e reavalia o seu particular ‘estado das coisas’, permitindo uma profunda reflexão sobre o cinema em geral e a sua carreira em particular. Com fotografia maioritariamente a preto e branco, co-produzida pelo jovem Paulo Branco, e rodada em grande parte na Praia Grande, perto de Sintra, este ensaio sobre o tempo, o espaço e o cinema viria a vencer o Leão de Ouro, em Veneza, antecedendo a explosão da cor e dos espaços em Paris Texas, em 1984, a sua única Palma de Ouro de Cannes. Vê-lo (e revê-lo) agora em cópia restaurada, com a conversão do negativo a preto e branco para uma resolução 4K é também uma possibilidade histórica de perceber o ‘estado das coisas’ no cinema de hoje.

O ano de 1982 seria para Wim Wenders bastante atribulado. Em grande parte, pela rodagem malfadada de Hammett, Detective Privado, um policial série B desenvolvido para a Zoetroppe de Francis Ford Coppola, sobre o famoso criador de pulp fiction, Dashiel Hammett, em que várias das suas opções artísticas foram questionadas e forçaram-no a sucessivos reshoots com os consequentes atrasos na produção.

O filme abre com uma equipa de produção que filma nas dunas da Praia Grande as derradeiras cenas de um projeto pós-apocalíptico de ficção científica série B intitulado Os Sobreviventes, afinal de contas um remake de uma fita de Roger Corman (The Day the World Endend), o guru da série B, que tem ainda uma pequena cameo neste filme, como advogado, em Los Angeles. Não deixa também de ser curiosa a participação de Samuel Fuller, no papel de um diretor de fotografia (num regresso a Wenders depois de participar em O Amigo Americano e no próprio Hammett), um pouco à semelhança da presença de Fritz Lang em O Desprezo. Mas este é um filme em que se saúda ainda a presença, na produção portuguesa, do ‘luva negra’ Artur Semedo, para além de uma pequena viagem no tempo de um Portugal ainda a aprender a viver em democracia.

O Estado Das Coisas é um filme sobre o processo de fazer ‘as coisas’, neste caso, um filme sobre o processo criativo de um filme. Ou melhor, sobre a pausa que se instala durante a interrupção das filmagens. A razão estará, sabe-se mais tarde, no desagrado do produtor por não acreditar num filme a preto de branco. Um filme que possui naturais afinidades com O Desprezo, de Godard, 8 1/2, de Fellini e que merece até o mesmo estatuto. Sobretudo pelo contraponto genial, já no final, quando o realizador Friedrich Munro (Patrick Bauchau) – uma variante de Friedrich W. Murnau? –, já em Los Angeles, capta em Super 8, e a cores, o momento ‘reality tv’ da sua fatalidade. É o cinema de Hollywood a matar o cinema de autor.

 

 

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