Okja começou com apupos, mas acabou com palmas. É que nem tudo correu bem antes da projeção do filme do sul-coreano Bong Joon Ho, a tal fita produzida pela Netflix e exibida na competição de Cannes, embora reservada apenas à estreia na televisão lá de casa, não em sala de cinema. Polémicas à parte, foi mesmo o desacerto na projeção que provocou um ensurdecedor apupo, assobios e palmas até que o filme fosse interrompido durante uma dezena de minutos.
Já bem diferente foi a reação no final desta aventura juvenil e ecológica sobre um porco do tamanho de um hipopótamo, mas com focinho dócil de cachorro, servida por uma entusiástica ovação. De resto, as primeiras opiniões publicadas online mostravam-se rendidas pelo efeito patusco deste porquinho, havendo mesmo quem reclamasse para ele a Palma de Ouro. Uma opinião que parece contrastar com o parecer dado Presidente do Júri, Pedro Almodóvar, que colocara em causa a própria inclusão deste título (e também de The Meyerowitz Stories, de Noah Baumbach, o outro filme produzido pela Netflix) na Seleção Oficial. Com alguma razão, diga-se, devido ao impacto provocado pelos media a propósito da atitude radical do gigante do streaming em restringir a distribuição para o serviço de TV.
Na verdade, ao assistirmos a Okja ficamos com a sensação de que as opções estéticas e narrativas deste produto destinado a um entretenimento familiar parecem até calhadas para a fruição caseira. E até mesmo em alguns diálogos alguns poderão ler, ainda que se forma subliminar, a mensagem de chegada em força do colosso digital ao cinema. O que parece inquestionável é o brilhantismo visual e a estética patente na tela e num magnífico 4K, fruído com gosto pelos 2 mil jornalistas que esgotaram a sala Lumière. Por aí, nada a dizer, até porque o resultado do filme será sempre bem melhor se visto numa sala de cinema.
É inquestionável o charme bucólico da criatura nas montanhas da Coreia e a sua relação afetiva com a sua dona Mija (eficaz e segura Seo Hyun Ahn), mesmo depois da sua vinda para Nova Iorque, num momento que nos recordou a deriva semelhante da criatura no clássico King Kong. O problema é que este entretenimento familiar não parece casar bem com a habitual escolha para a secção competitiva para a Palma de Ouro. Por isso questionamos essa escolha. Até porque a prestação pateta de Jake Gyllanhaal, como o apresentador clown, assemelha-se mais a um boneco televisivo mais direcionado para crianças. A própria caricatura de Tilda Swinton, no papel da empresária dona da companhia que produziu estas criaturinhas, num papel de gémea que parece replicado do recente Salve César dos manos Cohen, fica longe da habitual força a que nos habituou. De resto, o filme é mesmo da mocinha coreana Seo Hyun Ahn e, claro, do porco avantajado digital que segura todas as cenas.
Bong Joon Ho é um cineasta formidável e um homem de Cannes. E tem em Host – A Criatura, de 2006, talvez o exemplo mais próximo de Okja, se bem que o mais recente e fulgurante Snowpiercer – Expresso do Amanhã, deixou também a suas marcas, sem esquecer o igualmente perturbador Mother – Uma Força Única (2009). O coreano deixou-se tentar agora por uma proposta de entretenimento mais light, servido por uma narrativa não muito invulgar que lida com a produção alimentar usando manipulação genética como panaceia para um negócio chorudo. Nada a apontar, ainda que talvez fosse mais indicado na secção fora de competição, como sucedeu o ano passado com O Amigo Giganta. Resumindo, poderemos dizer que Okja pode até nem ganhar a Palma de Ouro, isso seria algo insólito, mas uma coisa é certa, já ninguém lhe retira o Porco de Ouro, uma miniatura em metal precioso que também aparece no filme.