Aritmiya, de Boris Khlebnikov – Seleção Oficial – Competição
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How Viktor “The Garlic” Took Alexey “the Stud” to the Nursing Home, de Alexander Hant – East of the West Competição
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Ceux qui Font les Révolutions à Moitié n’ont fait que se Creuser um Tombeau, de Mathieu Denis e Simon Lavoie – Variety Critics’ Choice
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Aterrar em Karlovy Vary com o festival já em andamento implica um esforço acrescido para recuperar o que já se perdeu, mas também a disponibilidade para sentir a imediata pulsação do evento. Como sempre acontece no início do verão, esta estância balnear converte-se numa verdadeira Meca do Cinema, com uma programação ambiciosa que apresenta duas secções competitivas, a Seleção Oficial para além da East of the West, em que se recupera o melhor cinema do centro da Europa. Sem esquecer os incontornáveis Horizontes, uma espécie de best off dos maiores festivais que precederam o KVIFF. É também assim que recuperamos filmes perdidos nas várias secções de Cannes, bem como Berlim, Sundance, etc.
Uma das primeiras opiniões escutadas mal chegámos a KV foi o elogio ao filme russo em competição, Aritmiya. Um belo filme que venceu o mês passado o prémio principal do Festival de Sochi, na Rússia e assinala também o regresso do russo a Karlovy Vary, onde apresentou os seus primeiros filmes. Boris Khlebnikov é mesmo um dos cineastas do momento, já com passagem em Berlim e Veneza, entre outros festivais.
Desta vez, convida-nos embarcar no quotidiano agitado do paramédico Oleg (Alexander Yatsenko), uma espécie de Dr. House em ambiente de E.R. a resolver situações a bordo de uma ambulância que não está muito longe do filme de Scorsese Por Um Fio. Para além disso, existe aqui a combinação amorosa e o impasse amoroso com a sua mulher Katya (Irina Gorbacheva), também médica no mesmo hospital em Moscovo, se bem que nos antípodas de A Anatomia de Grey, e bem mais ao estilo de Blue Valentine.
Referências à parte, Khlebnikov expõe ainda com brio as contradições do modo de funcionamento do sistema russo bem espelhado numa reunião de médicos com o novo diretor de serviço, em que temos até a curiosidade de ver em ação o correspondente da RTP em Moscovo, Evgeni Moravitch, a mostrar-se igualmente apto para no papel de ator, precisamente com uma das vozes que se insurge contra as novas diretivas do serviço destinadas a por cobro a alguns exageros, mas que acabam por relativizar o “fator humano”. O tal “fator” que nos dá também o melhor e o pior de Oleg.
Um outro exemplo que atesta o bom momento do cinema russo está também na comédia (e no título) cuja tradução para inglês resulta em How Viktor “The Garlic” Took Alexey “the Stud” to the Nursing Home. Desde logo por se tratar de uma primeira obra de Alexandr Hant, um aluno do prestigiado instituto de cinema VGIK, que formou muitos cineastas, como Eisentein, Tarkovsky ou Sokurov. Uma comédia satírica com alguma ação a revelar outra faceta realista da Rússia, devidamente encenada por um estilo visual admirável e mesmo contagiante.
Por fim, um outro filme candidato ao título mais longo, Ceux qui Font les Révolutions à Moitié n’ont fait que se Creuser um Tombeau, assinado pela dupla canadiana Mathieu Denis e Simon Lavoie, uma produção que fez furor em diversos festivais e que acolhe em Karlovy Vary o espaço na secção das escolhas dos críticos da Variety.
Aqui também se faz um exame aos movimentos de revolucionários radicais empenhados na luta contra a globalização e uma alternativa mais sã ao capitalismo como solução final. Antes da sessão, Simon Lavoie havia afirmado que esta fora a tentativa de fazer um filme com total liberdade. E o resultado não está longe, já que a opção de quase três horas, com um longo prelúdio musical e um intertítulo de falso intervalo, ao qual sustenta um épico sobre os limites do radicalismo político, a viver paredes meias com o idealismo puro. No fundo, uma ambição tão vasta quanto a sua duração. De resto, este projeto acaba por ser uma continuação de um anterior em que Mathieu e Simon abordaram a vida curta do ativista Jean Corbo, falecido em 1966, alvo da bomba que colocara na sequência ao serviço do fação independentista de Quebeque, FLQ.
Quisemos fazer um filme contra as regras, referiu Lavoie já no final da sessão durante o q&a com o público. Quisemos fazer algo proibitivo no sistema de Quebeque. Montando imagens de arquivo dos protestos estudantis da Primavera de 2012, em Quebeque, com palavras de ordem no ecrã, a fazer lembrar La Chinoise, de Godard, acompanhando as iniciativas radicais de quatro jovens de extrema esquerda que decidem dedicar-se de corpo e alma a essa causa. Procuro uma razão para viver no abstrato, é um dos muitos slogans do filme.
É este o cinema engajado, de causas, da máxima convicção, da ação contra a inatividade. E por aqui recordamos o bravíssimo Nocturama, de Bertrand Bonello, ainda sem estreia nacional, ou mesmo do recentíssimo 120 Battements par Minute, de Robin Campillo, sobre o movimento de proteção dos seropositivos, bem como o United Red Army, do japonês Koji Wakamatsu, realizado há precisamente uma década. Precisamente um título que Simon Lavoie admitiu como referência quando o questionámos no q&a, apesar de reconhecer que a maior referência fora mesmo o referido filme de Godard.