A surpresa do dia veio mesmo de First Reformed, a evocação espiritual e ambientalista de Paul Schrader, naquilo que poderá muito bem ser visto como um reflexo ou o oposto da personagem de Travis Bickle, de Taxi Driver, embora tocado pelas relações perigosas entre os grandes conglomerados e as organizações humanitárias ou religiosas. Ethan Hawke é sólido na figura do padre Toller, ele que também fora pai até lhe morrer o filho que encorajara para se alistar nas forças armadas. Agora dependente do álcool, dedica-se a escrever um diário de pensamentos explícitos durante um ano, antes de o destruir. Uma prestação robusta de Ethan Hawke, talvez uma das suas melhores prestações, que pode ganhar em Veneza a dimensão capaz de chegar aos prémios da Academia de Hollywood.
As suas convicções acabam por ser afetadas pela troca de impressões com um ambientalista radical que se recusa a ver nascer a filha num mundo condenado a prazo. Pelo meio, o conflito silencioso com a mulher deste (Amanda Seyfried), igualmente religiosa, que deseja ter a criança e que pede ajuda ao padre.
Schrader toca de novo notas altas por desenvolver um guião que assume ter sido impulsionado depois de um jantar em 2013 com o polaco Pawel Pawlokowski, o autor de Ida, e de concretizar o seu projeto espiritual a germinar na sua mente há meio século.
First Reformed é um filme de fé, dos seus limites, mas também dos conflitos dos homens. Talvez por isso a opção de uma estrutura formal muito marcada, em que a câmara serve de testemunha (de confessor?) aos dilemas que assaltam estas personagens. Seguramente, um filme destes tempos, seguramente da era Trump, em que o ‘aquecimento global’ é considerado como um incómodo não integralmente provado.