O Nimas vive dias de festa com The Room, o filme infame de Tommy Wiseau, o tal que foi considerado o Citizen Kane dos maus filmes. Um filme tão mau, tão mau, e tão atribulado, que Greg Sestero, amigo de Wiseau, decidiu escrever um livro sobre essa aventura chamado The Disaster Artist. A história já a sabemos. James Franco comprou os direitos do livro e fez o filme que venceu a Concha de Ouro, em San Sebastian.
Fomos ao Nimas conhecer Sestero e tentar perceber um pouco melhor os verdadeiros bastidores por detrás desta história sensacional. O evento no Nimas inclui o making of de The Room, leituras do livro e uma sessão de perguntas e respostas com o público. Antes, ou depois, o acesso a merchandizing exclusivo deste fenómeno de culto. E até whiskas, o tal cocktail de whisky com vodka.
Está a gostar de Lisboa? Já cá tinha estado?
Não, é a primeira vez que estou em Lisboa, mas vou ficar por alguns dias. Acho que tem um pouco de cada cidade que eu gosto. É uma cidade incrível.
Estive em San Sebastian, vi The Disaster Artist e estive com o James (Franco) e o Davie (Franco). Foi lá que soube deste evento The Room aqui em Lisboa.
A sério? Ótimo. Foi cool que tivesse visto o filme. E como foi a reação do público?
Na verdade, acho que foi tão entusiástica quanto costumam ser as sessões de The Room, ou seja, bastante festivas. Como se sente agora, com este sucesso e reconhecimento, depois de tudo o que passou com esse filme desasroso? É o sucesso finalmente, mas seguramente como esperava quando partiu para a aventura de fazer The Room.
Na verdade, quando comecei, a minha primeira paixão foi storytelling. Escrevi um guião quando tinha apenas 12 anos, era uma sequela de Sozinho em Casa. Tinha gostado imenso do filme e queria fazer parte dessa história. Mais tarde decidi ser ator, até porque tem também a ver com esta ideia de storytelling, mas é algo bastante difícil. Por isso quando comecei a escrever percebi que o meu talento estava mais nessa área. E com este livro acabei por ter mais controle criativo. O mais engraçado é que ao tentar ser ator, de certa forma transformei-me também numa personagem de um filme. Nesse sentido, é até mais interessante de ser ator em pequenos papéis.
De certa forma, algo que até já tinha feito, com participações por exemplo, em Gattaca, Patch Adams, EdTV…
Sim, tinha tido já sentido o que era ser ator, mas isto acaba por ser mais interessante, viver uma história que se transformou num filme. E, sobretudo, num bom filme.
Por falar em storytelling, o que achou no guião de The Room? Não se pode dizer que seja uma grande história…
Eu percebi que o The Room não iria ser um grande filme. Mas conhecia o Tommy e tinha 24 anos e a idade certa para fazer o filme. Na altura, ia apenas ajudá-lo a fazer o filme.
Até que ponto o The Disaster Artist é rigoroso ao contar a sua própria história?
Uma das coisas que admito no James é perceber ao detalhe que ele foi para contar esta história. Arranjo um carro igual ao que o Tommy guiava, as roupas, captou todos os pormenores dessa aventura que foi fazer The Room. É claro que a história está um pouco condensada, pois quando se faz um filme não se pode incluir tudo, mas captou a essência e a amizade, algo que é universal.
É claro que o Tommy (Wiseau) é uma personagem fundamental em tudo isto. Tem estado com ele?
Antes de mais, o Tommy adora o filme e acha que o James fez um trabalho notável. Acha que o respeitaram e fizeram algo muito próximo do real.
Acha que o culto que acabou por ter não era bem aquilo que ele esperava? De que forma ele encarou essa realidade?
É claro que ficou surpreendido, talvez um pouco decepcionado.
Porque ele era muito sincero naquilo que queria fazer…
Claro. Porque ele criou um drama, mas as pessoas começaram a rir-se. Ao mesmo tempo, o Tommy é um showman e quer que as pessoas se divirtam. Mesmo que seja a rir-se do filme que ele fez.
Mas ele era, ou é, também um mistério…
Precisamente. Ele é um mistério. É claro que podemos ficar na dúvida, de onde é ele, onde arranjou o dinheiro para fazer o filme, sobre o que é o filme? Quando menos soubermos mais interessante ele é. É um pouco isso que trata o meu livro, em que revelo algumas coisas, mas ficam muito por saber…
Sempre é verdade que ele gastou perto de uns 6 milhões de dólares para fazer The Room?
Veja bem, ele manteve um billboard em Los Angeles durante cinco anos. Isso custa muito dinheiro.
Mas não sabe de onde veio o dinheiro?
Sei que era um armazenista bem sucedido durante os anos 80 em San Francisco. Deve ter vendido muitas calças de ganga… (risos)
Como recorda o momento em que o conheceu naquela aula de representação?
Pois, conheci-o a dizer à professora que ele sabia mais de representação do que ela. Ele era muito confidente naquilo que fazia. Vi algo muito estranho, mas ao mesmo tempo divertido e interessante. Apesar de todos os colegas acharem que ele era um bocado estranho, eu quis conhecê-lo melhor.
Ele já tinha tido outras aulas de representação?
Teve imensas aulas de representação, durante anos antes de o encontrar. Só que nada acontecia. Entretanto, descrevo também melhor no livro o processo de mudança para LA. Primeiro fui eu, para o apartamento que ele tinha. Depois ele foi também.
Depois do sucesso em San Sebastian, em que The Disaster Artist ganhou a Concha de Ouro, o prémio principal, fala-se até na possibilidade do filme ir aos Óscares. Como vê esse reconhecimento?
Acha que temos hipótese? Vamos ver. Mas é como diz. É um sucesso que acaba por chegar, mas da forma mais bizarra. Acho que é algo que nunca aconteceu assim. Por exemplo, no filme Ed Wood, ele já tinha morrido há há uns vinte anos quando surgiu o filme. É incrível isto acontecer numa altura em que The Room ainda está em grande.
No meio disto tudo, o que é para si o elemento fundamental desta história?
É uma história universal sobre a amizade e seguir os nossos sonhos. O incrível é que o James Franco viu o filme antes de ler o livro. Eu cresci num ambiente em que nunca ninguém me incentivaria para se ator. O mesmo com o Tommy, apesar de ele achar que era o Marlon Brando. Por isso, nunca teve a aceitação que queria. Temos então estas duas pessoas, que não eram os melhores atores, por certo, mas que mesmo assim decidimos ir para a frente. O facto desta viagem acontecer desta forma, quebrando todas as regras, mostra como nunca sabemos como será se não tentarmos. Não foi o Woody Allen quem disse: “90% do sucesso é aparecer e estar lá”. Acho que é isso. Nem que seja, tentar e falhar. Acho que todas as pessoas se podem relacionar com isso.