Um projeto há muito acalentado por este nova-iorquino de gema, mas cuja costela italiana há muito o puxava para invocar um cineasta paisano que muito influenciou o início da sua carreira. Na verdade, o jovem Ferrara admitiu que só passou a encarar o cinema com olhos de ver depois de se deslumbrar com Decameron (1971). Tinha Abel 20 anos.
A Ideia do fim do mundo é algo que o preocupa?
Não é algo que esteja sempre a pensar. Não estou preocupado com o fim do mundo. Toda a gente pensa na morte e basicamente eu consigo mais dos atores quando paro de dizer que vem aí o fim do mundo às 4:44 e lhes digo “esta noite vais morrer”. Não penses no mundo, pois no final todos morrem sozinhos. Quando dizemos a alguém que às 4.44 ela vai morrer, aí chamamos totalmente a sua atenção.
A escolha de Willem Dafoe para incarnar a persona de Pasolini parece-me evidente. Mas a opção de falar inglês foi decidida logo no início?
São sempre escolhas práticas. Não fui eu que escolhi o Willem. Escolhemo-nos aos dois. Decidimos em conjunto fazer este filme. Poderia tê-lo filmado em língua italiana. Aliás, o Willem fala muito melhor italiano do que eu. Mas eu preciso de ouvir as ideias dele em inglês. E que diferença faz a linguagem? Não deixamos de ler Dostoiewski por não sabermos russo. A linguagem é a forma e exprimir as ideias. O filme é em francês, italiano e inglês.
Até que ponto este cineasta italiano o levou a estreitar os laços da sua própria herança italiana?
Eu pertenço ao tipo de família que o Pasolini amava. Eram gente do campo, nada intelectuais. O meu avô sabia ler e escrever, por isso estava um pouco adiante do resto da comunidade. Veio para a América com vinte anos, em 1900. Viveu até aos 96 e nunca falou uma palavra de inglês. Passou a vida a falar o dialeto napolitano, recriando o ambiente da Campangna (província de Salerno) e do Paese (comuna da região do Veneto). Ele vivia em Ab Sarno, uma província de Salerno perto de Nápoles. O meu avô era o tipo de pessoa que o Pasolini adorava. Mas também fez a emigração para Nova Iorque e aí se aburguesou. À sua maneira, claro.
Porque acha que o Pasolini continua a ser uma figura tão controversa em Itália?
Ele não é controverso. O Pasolini é um grande cineasta. E acho que o seu trabalho torna-se cada vez mais forte à medida que o tempo passa. Ele é um grande escritor, um jornalista, um poeta. É tudo isso e ainda um realizador. Foi ativista político e um homossexual assumido – um dos primeiros a assumir-se. Isto em 1975, com todo o poder do Vaticano em vigor. Por tudo isso, a sua coragem é tremenda. Ele era um hippie, contra todas as convenções. Será que isso o torna controverso? Sim, claro. À medida que a sociedade se tornava mais repressiva ele tornava-se mais radical. Mas para mim ele não é um radical, trata-se apenas de um talento brilhante a viver a vida ao máximo.
(entrevistas anteriormente publicadas em www.c7nema.net)