Alluh Akbar! Alluh Akbar! Iremos ouvir várias vezes este clamor ao longo do filme. Muitas vezes também por lados opostos do conflito sírio, ao longo dos anos convertido num verdadeiro imbróglio político-militar de repercussões globais. Pois neste avassalador documentário para a National Geographic Hell On Earth: The Fall of Syria and the Rise of ISIS percebemos exatamente o que refere o título: por um lado a desagregação das soluções para afastar Assad do poder e, como consequência, a ascensão do ISIS.
Quando uma sociedade colapsa pela anarquia e violência, inevitavelmente, os civis tomam a realidade nas suas mãos. Assim começa o bravo documentário com a narração de Sebastian Junger, descrevendo ainda como o radicalismo está ancorado no desespero. As pessoas radicalizam-se quando as outras opções falham.
Junger prova ser o homem certo para este trabalho, ele que tem provas dadas do documentário de guerra, nomeadamente a trilogia sobre a guerra, Restrepo (2010), nomeado a um Óscar, Which Way Is the Front Line From Here? The Life and Time of Tim Hetherington, recordando o seu amigo e colega (e co-realizador, por exemplo de Restrepo) (2013) e The Last Patrol (2014), focado em ex-combatentes.
O filme foca, e bem, a revolta arabe contra Assad e a sua opção de gerar uma guerra para entronizar o seu poder e não seguir à queda de Ben Ali, Mubarak ou Kadafi, não hesitando em virar as armas contra a população, primeiro, e contra os rebeldes voluntários. Seguindo-se depois o impasse americano que acabou por facilitar a escalada do ISIS e o seu regime de terror. No entanto, o jornalista e fotógrafo iraquiano Ghait Abdul-Ahmad descreve como a entrada de armas e munições por apoiantes individuais acabou por conduzir a revolução a uma guerra civil com interesses globais. O filme acompanha bem de perto todos esses momentos. Por exemplo, vemos em ação os Capacetes Brancos, tal como em The Last Men in Aleppo. Na verdade, Hell On Earth acaba por ser um verdadeiro filme companheiro.
Há até um momento em que o em que se abre o cenário para perceber que o fenómeno do ISIS e da sua vontade de recuperar a influência que tinha durante o Califado que ocupou todo o norte de África, o Médio Oriente e a Península Ibérica. Sobretudo quando se compara com o abuso de poder na Europa, ou mesmo a dimensão épica da Marselhesa, a rimar com os cânticos do ISIS e até aos abusos orgulhosamente cometidos nos EUA, já em pleno século XX, contra os cidadãos negros. Mesmo que isso não justifique tudo, pode ajudar a compreender também as ações dos ‘lobos solitários’ que ainda provocam o caos hoje em dia. Um dos momentos mais arrepiantes do filme mostra-nos uma câmara no peito de um desdes ‘lobos’, o francês Mohammed Merah, a eliminar um soldado que apeou da sua moto e, quatro dias mais tarde, a eliminar vários soldados e duas crianças.
O filme acaba completando o círculo, com uma família já na Turquia a ponderar as hipóteses de sucesso de embarcar num barco até à Grécia. A par de uma mensagem de paz recordando que “fazemos todos parte da mesma raça humana”. Algo que frequentemente esquecemos.