Na nossa entrevista no passado festival de Cannes, antes ainda de vencer Prémio do Júri, o russo Andrey Zvyagintsev traça um retrato da Rússia de Putin, desagregada e ambígua, tal como o casal de Sem Amor, dividida entre o materialismo e um realismo gritante.
Neste nosso segundo encontro com Zvyagintsev, em conversa retomada três anos depois de um encontro nos Prémios do Cinema Europeu, em que defendia Leviatã, mas em que Ida, do polaco Pawel Pawlikowski venceria tudo o que havia para ganhar, notamos talvez um cineasta mais conformado e menos politizado. Pelo menos de forma não tão evidente. Ele que fora acusado na altura pelo ministro da cultura de ter feito um filme anti-russo.
Só sabemos que o seu cinema desafia classificação, ao mesmo tempo rigoroso e avassalador, cheio de nuances, mas sempre hipnótico. Razão pela qual acreditamos que Andrey será o cineasta russo mais interessante da atualidade. Será por isso que gostamos de o comparar a Tarkovsky ou aos clássicos da literatura russa que recusam o happy ending. No entanto, apesar da pressão que Tarkovsky coloca em todos os realizadores russos, confessa que não foi Tarkovsky quem mudou a vida dele, mas sim A Aventura de Antonioni. Foi nesse momento que mudei radicalmente e compreendi que estava apaixonado pelo cinema.
Neste filme convivemos com um drama familiar numa Rússia desagregada que lida com as suas idiossincrasias e ambiguidades. Algures entre um atual nacionalismo que rima com algum conservadorismo. Desta feita, a narrar o desaparecimento do filho de um casal a viver o desencanto e ruptura. Um filme magnífico, vencedor do prémio do júri em Cannes e a concorrer uma vez para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Tal como sucedera com o anterior Leviatã, de 2014. No entanto, Loveless – Sem Amor é daqueles que nos dá muito mais que muitos dos principais concorrentes americanos.
É assim o cinema absorvente deste realizador de 53 anos. O tal que na sua estreia venceria o Leão de Ouro em Veneza, em 2003, com belíssimo e comovente O Regresso, (concorreu nesse ano com Manoel de Oliveira e o seu Filme Falado), conquistando ainda o prémio de realização entre diversos prémios paralelos.
Tal como sucede a vários realizadores que alcançam o sucesso internacional, torna-se natural a sugestão para a hipótese de trabalhar fora do seu país. No entanto, essa possibilidade é descartada por Andrey, porque considera que seria uma visão um pouco incerta. Não conheço a vida fora da Rússia, contrapõe. Tenho 53 anos e vivi toda a minha vida na Rússia. E só falo russo. Lamentavelmente. Seria apenas uma variante da verdade, o que não seria benéfico. No entanto, este é um filme atual e que espelha a sociedade russa.
Ainda assim acrescenta, com ironia, isso seria possível, se o nosso ministro da cultura decidisse estar sempre no seu escritório. Nesse caso, eu não teria outra solução a não ser aprender inglês e viver fora da Rússia.
Seja como for, o principal financiamento do filme foi russo, embora com apoio das produtoras Wild Buch e Why Not, bem como dos irmãos Dardenne. Zvyagintsev esclarece ainda: foi decisão do meu produtor não aceitar dinheiro do governo. E confirma: vou continuar a fazer os meus filmes na Rússia. Estou certo que isso irá continuar e ninguém me irá querer impedir.