Ontem, na Berlinale, foi um dia de grande tensão realista numa sinuosa viagem temporal pelo cinema. Revivemos o massacre de Utoya, na Noruega, em 2011, o resgate dos reféns em Entebbe, em 1967, e ainda os últimos dias de Romy Schneider, no início dos anos 80. Mas a melhor notícia é que o cinema produzido foz o que lhe competia, transmitir esse pedaço de realidade sob a forma de bom cinema.
Diz-nos a história que 69 perderam a vida pela mira do extremismo de direita, deixando uma ferida difícil de apagar numa nação pacifista e talvez até por isso impreparada para responder como devia a esta catástrofe.
Depois de ponderar o regresso a este tema, o cineasta Erik Poppe (A Escolha do Rei, 2016) optou por uma reconstituição do evento que se centrasse num misto das inúmeras testemunhas, evitando assim o foco apenas na experiência de alguns. Uma forma de conservar o respeito e não se tornar parcial.
E assim ganhamos ou ficamos a perder? A verdade é que o filme agarra-nos de imediato, sobretudo quando percebemos que a câmara nunca mais vai parar. Em particular quando começa o tiroteio. Só que, quem pensa que vai gozar com o ‘shoo+em up’ está enganado. Isto porque a opção vai centrar-se nos momentos passados nos pequenos ninhos de jovens escondidos na ilha de Utoya. E os tiros que começam por ser avassaladores resvalando depois para uma dimensão de foto de artifício ao longe, já que ouvem-se sempre ao longe sem um contacto mais direto. Em particular, o filme segue a jovem Kaja (Andrea Berntzen) na sua deriva, tentando salvar a pele e ajudando quem pode pelo caminho, sem nunca perder de vista o objetivo de encontrar a irmã mais nova.
É um filme choque, de suspense avassalador, se bem que o impacto inicial acaba por esmorecer e redundar em alguns momentos menos conseguidos, embora sempre bem captados pela câmara incansável que espelha o medo deles, o nosso medo. Compreende-se, e aplaude-se, a ideia de não ser um filme exploratório daquela torrente de violência, embora um excesso de pudor o deixe ficar refém de uma narrativa que acaba por não ser totalmente satisfatória. Ainda assim, dificilmente deixará de ser um pequeno fenómeno.