Teresa Villaverde não precisa de colo. O seu cinema é a prova disso. Mesmo com um cinema feito de personagens adolescentes ainda não totalmente formadas. Personagens que procuram a sua idade maior, como retrata o seu filme de abertura, precisamente A Idade Maior, ainda em 1991, mas que de certa forma cria laços com o Três Irmãos (1994), e mesmo Os Mutantes (1998) ao longo dessa dolorosa década de 90 e retomado até, já em 2006, com o destino de Ana Moreira, em Transe. São ainda estas dores de crescimento que vivemos neste Colo, selecionado o ano passado para a competição do Urdo de Ouro, em Berlim, a viver paredes meias com os adultos a viver a sua própria crise, mas a de não ter emprego e não saber qual deve ser o seu papel nesse filme. Foi aí que falámos com Teresa Villaverde e sobre tudo aquilo que veio a propósito de Colo.
Uma vez mais, o cinema português marca posição e está na secção competitiva aqui em Berlim. Como encara esta possibilidade de estar aqui a concorrer para o Urso de Ouro?
É uma grande honra, claro. E uma grande alegria. Quando vamos a uma coisa desta dimensão já é muito bom, aconteça o que acontecer. É uma vitória imensa estar em Berlim. É bom para o filme e até para o próximo. E também para o cinema português.
E numa altura em que os cineastas mais jovens também estão muito bem representados.
Fico muito, muito feliz ao ver tanta gente nova e com tanta qualidade. Acho que e extraordinário.
Como surgiu o a ideia do título do Colo? Na minha crítica ao filme usei o seguinte titulo: “Precisamos todos do colinho de Teresa Villaverde”. Isto porque toda esta gente que vemos no filme está a precisar de um colinho, de um pouco de afeto. Concordas?
Sim. Foi o primeiro nome e ficou. É verdade, no fundo estamos todos de certa forma a precisar de um pouco de colo. Mas acho também que essa ideia pode ser um pouco perigosa. Porque se aceitamos o colo e não nos mexermos isto pode acabar pior. Claro que há isso e outra coisa que acho cada vez mais. Essa palavra evoca também um início.
Sim, a mãe, a gravidez…
Um pouco como se estivessemos agora a viver numa especie de limbo. Um limbo quase incompreensível em que temos a necessidade de voltar ao início. Isto porque já não sabemos onde é o início.
Será que já não conseguimos voltar a casa, como dizia o Nicholas Ray?
Pois, exatamente. É isso. E voltar a casa, mas qual casa e qual início? Infelizmente, os problemas em todas as sociedades e no mundo vão-se acumulando em varias camadas que apetece fazer tábua rasa. Mas isso não é possível. Neste momento ninguém sabe dizer o que é possível. Portanto, atenção ao colo, porque se formos todos para o colo uns dos outros não fazemos nada. Por outro lado, temporariamente um colo dá sempre força. Para depois seguir para a frente.
Poderemos também repensar essa ideia e enquadrá-la no estado do nosso cinema? Será que também precisamos de colo?
Acho que o nosso cinema é inacreditável, porque temos tantas dificuldades, mas simultaneamente o cinema português está com uma vitalidade gigantesca. E com imensos realizadores jovens. Quando comecei tinha apenas 23 anos e os outros eram todos muito mais velhos. Agora não é nada assim. Há imensos realizadores novíssimos e com uma visão muito particular e segura do que estão a fazer. Sinceramente sinto-me muito orgulhosa com esta marca do cinema português, apesar de sermos todos muito diferentes. Diria até que a marca do nosso cinema é a seriedade artística. Também herdámos isso dos nossos grandes. Desde logo do Manoel de Oliveira, que não abdicava de nada do ponto de vista artístico. Acho que é uma raiz histórica que temos e que continua a fazer sentido. Devia ser motivo de orgulho para todos. É pena que esta ideia de vitalidade não seja tão partilhada em Portugal. Talvez esta nova geração de realizadores faça essa ponte com o público português.
Fala na juventude, mas no seu cinema a juventude tem sido uma constante, embora com preocupações diferentes. Sobretudo as personagens femininas. Em Colo temos as duas raparigas mais jovens (Alice Albergaria Borges e Clara Jost, também presente em Berlim, com a curta Coup de Grâce, de Salomé Lamas) e a geração dos pais. São ambas igualmente relevantes?
Neste filme sinto que a personagem central é o pai. É o drama do pai que se vai espalhando para as outras personagens. Depois há o mundo paralelo dos jovens um pouco à parte. Para mim, era muito importante ter esta geração, pois é uma geração de muitas que vieram antes. Porque parece ter à sua frente um muro. Acho que nunca houve essa sensação de não haver um caminho trilhado. Estão num lugar, mas não sabem para onde vão. Só que também não podem ficar parados. Tenho esperança que eles nos ensinem alguma coisa.
Gosto da forma como mostrar uma Lisboa urbana e ao mesmo tempo quase rural. E aqui recordo aquele plano sobre os prédios da Av. de Roma, que me fez lembrar o inicio de Os Verdes Anos, do Paulo Rocha. Não sei se foi intencional…
Fico contente que evoques Os Verdes Anos, mas por acaso não tinha pensado nisso. Fui acidentalmente aquele parque onde se vê esse lado da cidade. Sobretudo porque via onde cresci, ali para os lados da Praça de Londres. E fiquei muito surpreendida pois nunca tinha visto a cidade daquele ângulo, daquele parque José Gomes Ferreira que é ali ao pé da Rotunda do Relógio.
Há um encontro muito bom estas duas jovens atrizes. Descobriu-as num casting?
a cumplicidade entre as duas raparigas já vinha de trás.
Agora não vamos ficar mais quatro ou cinco anos à espera de um novo filme, pois não?
Espero bem que não, espero bem que não. Às vezes demora porque pode ser complicado montar a produção. No entanto, gosto que passe algum tempo entre os filmes.
(entrevista publicada originalmente durante o festival de Berlim, de 2017, e agora editada para a estreia nacional do filme)