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Veneza75: Mike Leigh, Roberto Minervini e Olivier Assayas encaram a palavra como arma que defende direitos

O festival ofereceu-nos já um trio de filmes que souberam tratar bem o poder da palavra. Desde logo no discurso fervoroso dos valores político sociais de Mike Leigh, no monumental e urgente Peterloo, mas também no filme de denúncia a preto e branco Whay You Gonna do When the World’s o Fire? do italiano radicado nos EUA, Roberto Minervini,. Ou até, finalmente, de uma outra forma, no vigor da oralidade do atualíssimo e preocupado Doubles Vies, do francês Olivier Assayas.

Para já, Peterloo, em produção da Amazon, foi recolhendo alguns rumores depreciativos, sugestões de tesoura para cortar meia horinha, ou até o lado mais pomposo, palavroso, discursivo. Um filme a evitar, asseguraram-me. Opiniões talvez passageiras de colegas fatigados que com o andar do festival terão, sabe-se lá, até passado pelas brasas. Felizmente recuperámos este autêntico monumento, um verdadeiro quadro em cada frame e cada cena devolvida por um cast extremo (a merecer no seu conjunto um prémio de interpretação) pela forma como recordou este episódio “pouco presente” na sociedade britânica.

What You Gonna Do When the World’s On Fire?

Roberto Minervini, o italiano que há muito escolheu os Estados Unidos para viver e fazer o seu cinema, acaba por daí retirar um cinema cada vez mais empenhado em sublinhar os cada vez mais acentuados desequilíbrios sociais fruto da globalização. Algo que se nota particularmente em What You Gonna Do When the Worlds on Fire?, um filme com perfil de documentário – um pouco à semelhança dos anteriores Low Tide (2012), Stop the Pounding Heart (2013) ou The Other Side (2015), por sinal nenhum deles a merecer estreia nacional -, captado num contrastado preto e branco pela câmara de Diego Romero Suarez-Llanos. E tão vincado quando a mensagem difundida pelo grupo de elementos Black Panthers que se manifestam no início da fita.

Estamos dentro das comunidades pobres de New Orleans, onde vive a memória dos cidadãos negros tombados por balas na rua. Agora temos a denúncia e as palavras de Judy que insiste na memória que não de deve apagar. Tal como as canções e a celebração do mardi gras.

Doubles Vies

De forma bem diferente, o francês Olivier Assayas sugere um discurso sinuoso e fascinante sobre o mundo da arte em geral e a encruzilhada do futuro da palavra impressa em particular. Tudo cozinhado em redor de múltiplas conversas entre amigos, em que se pesam o valor e impacto dos e-books, o peso dos blogs ou dos twitters. Uma questão bem pertinente, sobretudo bem gerida (leia-se bem escrita) e interpretada com brio por Guillaume Canet, a personagem vetor de editor livreiro, e filtrada depois por uma luminosa Juliette Binoche e um divertidíssimo Vincent Macaigne. Chegaremos depois onde interessa, talvez à comédia romântica, com o ganho do prazer da viagem.

E chegamos a Leigh. Ele que nunca abandonou um cinema engagé regressa ao massacre de Peterloo, em 1819, para falar do básico. Esses que já viviam os efeitos da Revolução Francesa, que deu o golpe final do regime absolutista, mas também da Revolução Americana. Nesse sentido, o filme tem até um lado pedagógico inegável, bem como um dedo acusador bem firme ao poder político da época que permitiu que uma manifestação absolutamente pacífica de perto de 100 mil britânicos na praça de St. Peter’s Field, daí o nome de Peterloo, para rimar com a recente vitória frente aos franceses em Waterloo. Eles vieram juntamente com a família para ouvir o discurso de Henry Hunt (um Rory Kinnear imperial) exigir representação popular no Parlamento, mas essa demonstração pacífica acabou por ser recebida por uma carga de cavalaria de sabres em riste. Consequência? Perto de duas dezenas de mortos e várias centenas de feridos.

É claro que pelo meio, Leigh não resiste a acentuar a mesquinhez das classes abastadas, dos proprietários, mas também dos magistrados capazes de aplicar penas bárbaras (e mesmo capitais) por bagatelas, que agiam com total liberdade e impunidade, podendo, por exemplo, suspender o habeas corpus por decreto. O que não retira uma pinga do seu mérito. E isto a acontecer muitas décadas antes de Marx e Engels escreverem o seu tratado de ciência e economia política.

Peterloo é um filme que vive da palavra, da exaltação, ainda que esta esteja devidamente ancorada nesses ‘quadros vivos’ captados pela câmara rigorosa de Dick Pope. E que apesar das duas horas e meia de duração, não se sente o peso de um frame a mais. Apenas o imenso respeito pelos desfavorecidos.

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