Dia 3. Os diversos desafios do real.
Largas às Curtas
A programação dos Caminhos do Cinema Português proporcionou aos presentes mais um dia repleto do grande cinema que se vai fazendo em Portugal. Seja em curtas ou em longo formato, em ficção, animação ou documental. Estas são histórias que invocam o passado, intrigam a mente e desafiam a imaginação.
Outro trabalho de passagem prévia do Indie foi a dramatização dos diálogos escritos por Fernando Pessoa, e desenhados por Júlia Buisel, em Quantas Vezes Tem Sonhado Comigo?, em que o diabo interpela uma donzela nas ruas de Lisboa. Ela é Catarina Wallenstein e ele Dinis Gomes, ambos encarregam-se de dar corpo e alma e essas personagens num exércício feliz não isento de alguma sedução.
Passou ainda Agouro, a belíssima animação de David Doutel e Vasco Sá, numa produção de Bando à Parte e com a colaboração do estúdio Le Fresnoy, também devidamente apreciada no Curtas e no Motel X. A animação vibrante de narrativa intensa e invernosa rima com a história de dois primos iremediavelmente ligados a um quotidiano rural cruel e glacial.
Por fim, Russa, o registo de João Salaviza e Ricardo Alves Jr., apresentado ainda este ano no Berlinale Shorts, marca o regresso ao bairro do Aleixo, no Porto, de uma mulher, Russa, depois de cumprir a sua pena de prisão. Uma realidade que se alterou, mas na qual Russa terá de reaprender a viver.
E as Longas de mestres
Ora, algo que aqui passa por um crivo de desafio e criação permanente, como a poesia redonda, em jeito de vortéx, que nos remete ao iníco, embora já como pessoas transformadas por ela. É essa a forma de Pimenta estar na vida, seja a fechar-se numa jaula de felinos, como fez no Jardim Zoológico, no final dos anos 70, ou a a levar-nos ao exerício de nos questionarmos “o que sou eu?” em vez de “quem su eu?”.
Edgar Pêra vai cozinhando estes diferentes tempos – também o veremos equanto jovem – sobepondo imagens, camadas de tempo, e conceitos, legendas na tela e pedaços de realidade que nos levam a repensar a nossa posição na sociedade atual. Um pouco como os ensnamento de Adorno. Razão pela qual, nos atrevemos a brincar com o anagrama de Edgar e perceber como não fica longe de… Godard.
Rui Simões faz uma ponte muito saudável entre o registo documental e os segmentos em que dramatiza aquilo que não tem como mostrar, criando assim um fascinante documento, abrilhantado até pela contribuição de Adriano Moreira, Ministro do Ultramar no governo de Salazar, e que haverá de lamentar “aquilo que deixou de se fazer” por aquele povo que acabou por se divorciar da metrópole.
Coimbra rendeu-se ainda à visão que Leonor Teles e ao retrato de uma família vila franquense nas vésperas do casamento de uma das filhas de um pescador. Estreia-se assim no formato de longa metragem, depois da consagração nas curtas com Balada de um Batráquio, premiado em Berlim com o Urso de Ouro. E logo com um registo profundo e tocante de um quotidiano doméstico de gente comum que aprendemos a gostar. Ainda que o grande vetor nunca deixe de ser o ‘pater’ Albertino Lobo, que pela sua simplicidade se torna numa personagem maior. O filme que foi exibido no DocLisboa, e no Cinéma du Reel, acaba por ser igualmente descoberto e aplaudido em Coimbra.