Este não um filme dividido em dois atos, como foi inicialmente anunciado, mas em três, como o próprio cineasta explicou na conferência de imprensa. Prepara-se assim um tríptico sobre a sublimação do corpo e do espírito no tal permanente deleite que sempre tem acompanhado o seu cinema. Desta feita, captado com a luz magnífica desta região muito visitada pela comunidade magrebina e a contagiar-nos com todos os tons e sabores. Talvez por isso, Kechiche defina este como como anarquista.
No centro, está o regresso de Paris do jovem Amin, defendido com uma graça plácida por Shaïn Boumédine, um arrependido estudante de medicina, fotógrafo entusiasta e argumentista à procura de inspiração. Logo de início, testemunha pela janela da casa de uma amiga uma cena de sexo vigoroso, captado com o mesmo erotismo de A Vida de Adèle. Há que explicar que Kechiche recua a 1994, como que para conferir ao filme alguma dose de nostalgia de um certo tempo que escapa ao presente. E que permite, por exemplo, uma banda sonora para animar o nosso próximo verão.
E do que falamos quando então falamos de amor? Por que se trata de Kechiche é natural que esta seja um cinema em que os corpos e as respetivas curvas tomam conta da ação, bem como as suas diversas dimensões orgânicas. Seja a fazer sexo, a comer, a beber, a beijar. E até o cheiro quase nos invade neste filme demasiadamente sensorial. Por isso, quem acompanha a carreira do cineasta desde o início sabe que a sensualidade é pedra de toque, tal como a ligação ao Magrebe. Mais conhecido depois do premiado O Segredo de um Cuscuz, em 2007, desde cedo afirmou um cinema em que o tempo faz o seu feitiço num modelo de cinema que penetra debaixo da pele. Hafsia Herzi também aparece aqui para apimentar ainda mais uma noite na discoteca.
É claro que o filme até poderia ser editado com algumas sequências que ultrapassem o apelo e o timing habituais. Primeiro, na discoteca, uma sequência com meia hora de duração, embora com alguns segmentos repetitivos; depois, um outro número musical a denotar a mesma repetição já depois de esgotado o prazer da cena. Isso estraga o filme? Negativo. Mesmo ultrapassando os ligeiros apupos, como a colega francesa que argumentou estar cansada de ver tantos rabos. Pode ser. Eles existem, sim senhor, no meio deste filme extremamente sensual – talvez um dos mais sensuais que vimos -, embora nunca exploratório e apenas no ritmo como esse querido verão estava a ser desfrutado por todos.
Perdoe-se a usurpação do título do filme de Miguel Gomes para ilustrar esta nostalgia de verão. Tão somente para partilhar esses momentos distendidos em que tudo é mesmo possível. Em que o amor e as paixões carregam as hormonas e fazem homens mulheres de jovens e adolescentes. É como diz Kechiche nas notas de produção: este filme pretende ser um hino à vida e à luz, uma ode à beleza. Bonito.