Na nossa entrevista, o realizador cazaque aborda o realismo russo dos migrantes ilegais que procuram em Moscovo uma quimera que lhes possibilide algo parecido com a sovrevivência. E salienta que é a inspiração de Antonioni e o profundo respeito pela vida humana que espreita por detrás da sua cultura cinematográfica.
Insider – Ao ver Ayka fiquei com a sensação de algo que vinha dos seus trabalhos anteriores. Confesso que fui rever Tulpan e o seu documentário. Como foi este processo de criação de Ayka, um processo que já vinha de trás?
Sergei Dvortsevoy – É algo automático. É algo que não penso muito. Alguns realizadores pensam que a coisa mais importante é o estilo. Mas eu não penso muito nisto. Seja no meu estilo oi naquilo que retiro dos meus filmes anteriores. É algo automático. Não posso fugir de mim próprio. É claro que a minha natureza é de documentarista. Por isso os filmes que faço partem dessa premissa. Não me interessa ilustrar as palavras. Posso fazer isso, mas isso não me interessa. É claro que este filme não vai ter uma grande audiência.
E porque demorou tanto tempo a filmar depois do excelente Tulpan?
Foi o tema. Achei que seria mais fácil quando decidi fazer um filme sobe uma mulher. Percebi que desconhecia muitas coisas sobre o corpo da mulher. A gravidez, a altura do parto e o pós parto. Não sabia nada sobre isso e ouros pormenores que tive de aprender.
Onde encontrou a ideia inicial para este filme? Foi algo que leu nos jornais?
Sim, por acaso foi. Li uma notícia sobre crianças abandonadas em Moscovo, em maternidades. Já não me lembro bem, mas foi em 2010 ou 2011. Foram cerca de 200 ou 250 crianças abandonadas em hospitais. Foi algo chocante. Eu sou russo, mas nasci no Cazaquistão e conheço muito bem os uzbeques, os cazaques, os quirguizes; sei bem como as mulheres asiáticas tomam conta de crianças, como as amam. Por isso fiquei chocado ao saber que as abandonavam. Entretanto, conheci outras mulheres que tiveram problemas semelhantes. Mas este não é apenas um filme sobre as mulheres quirguizes, é mais sobre estas fronteiras estas situações de escolha radical.
Fale um pouco daquele local em que habitam centenas de emigrantes. É algo que existe em Moscovo ou foi um espaço de construiu?
Temos vários apartamentos como aquele em Moscovo. Não construímos mas preparámos esta espaço que é uma cópia do que existe. Normalmente podem viver quarenta pessoas num espaço daqueles. Oito pessoas num quarto, isso é normal.
O mesmo se passa com aquele estabelecimento em que as mulheres depenavam frangos? Ficamos mesmo sem vontade de comer galinha…
Isso é o que me dizem sempre a propósito deste filme. Mas se visse aquilo que vimos durante o processo de investigação para fazer este filme, provavelmente não comia carne, peixe, nada… É claro que tudo faz parte de um esquema em que o dinheiro é a mola real. Os trabalhadores querem o máximo possível, mas toda a gente faz batota. Na Rússia todo o dinheiro e oportunidades estão em Moscovo. Por isso as pessoas vêm com a ambição de ganhar, e cada um usa o seu método para ganhar.
Interessa-me o seu processo de trabalho, com os seus longos planos sequência. Faz muitos ensaios antes de cada plano?
Antes de mais, discutimos todo o processo com os atores. Digo isto porque o meu processo não é muito comum. Eu não divido os momentos de preparação, planificação, ensaios, rodagem. Eu combino tudo. Um dia ensaiamos, no outro discutimos e a seguir filmamos. Depois faço a montagem e discutimos de novo. Todo o processo é discutido. Sim, muito tempo é para preparação, é o núcleo deste processo. Às vezes pode ser feito à primeira, outras vezes pode demorar inúmeros takes.
Não receia que o filme seja criticado pelo seu forte ponto de vista político quando estrear na Rússia?
Talvez. Mas Moscovo é um país dentro de um país. A Rússia é uma coisa e Moscovo é outra. Moscovo é uma cidade muito rica, mas também cheia de gente muito pobre. Há níveis sociais muito diversos que nunca se encontram e não percebem como vivem.
De certa forma são os elementos naturais que recebemos. A rodagem começou em fevereiro, penso eu, mas havia muita neve. Filmámos algumas cenas muito boas e percebemos que iríamos necessitar de cenas com neve. De certa forma, isso integra aquilo que queria que é usar a componente natural como parte da dramaturgia do filme, que determine o protagonista e não apenas como cenário. Essa tempestade de neve foi útil para enfatizar o estado emocional dela. O corpo dela também estava num estado de tempestade. Depois de uma mãe dar à luz, durante cinco ou seis dias o seu corpo passa por muitas mudanças hormonais, físicas e emocionais.
Acha que existe uma esperança para a Ayka e sair do seu círculo de opressão?
A última cena é importante. Apesar de tudo o que se passou, ela vai começa a alimentar o bebé. Isso significa que se estabeleceu uma ligação maternal entre a mãe e o filho. Isso significa uma esperança para ela. Quando chora é como se estivesse a limpar a sua alma.
Pode falar um pouco sobre o que o inspirou a tornar-se realizador e o cinema que mais o influenciou?
Para mim, o cineasta mais importante é o Antonioni. Desde logo, do ponto de vista de linguagem cinematográfica e narrativa. Aquilo que mostra e o que revela sem justificar. Para além disso, gosto muito do Tarkovsky, por exemplo. Ou os irmãos Dardenne, o Nuri Bilge Ceylan. Quando fazemos um filme, inspiramo-nos sempre em alguns realizadores.