Christophe Honoré é um cineasta intelectual e dos grandes nomes do cinema francês da atualidade. Mas antes de ser realizador, Honoré foi crítico de cinema, ou pelo menos ensaista, para a revista Cahiers du Cinéma e autor de livros para criança – Tout Contre Léo marcou o seu espaço pela forma como tratou o assunto sida para os mais novos. Depois de ter marcado presença o ano passado na Seleção Oficial do festival Cannes com Agradar, Amar e Correr Depressa, narrando uma história de amor gay em plenos anos 90, em Paris, o filme chega finalmente às nossas salas, pela Leopardo Filmes, embora Christophe se apresse a concluir a edição do seu próximo filme Chambre 212, também programado para Cannes, na secção Un Certain Regard. É essa conversa ocorrida o ano passado no festival que partilhamos agora. Onde Honoré fala também do respeito que tem pelo trabalho desenvolvido com o produtor português Paulo Branco, com quem trabalhou em três filmes, Minha Mãe (2004), Em Paris (2006) e Canções de Amor (2007). Uma excelente recordação, diz ele.
Poderemos dizer que existem elementos biográficos nas duas personagens principais deste filme? Ou serão talvez inspiradas em autores que admira?
De facto, existe algo nas personagens que gostaria de ter vivido. Quando tinha vinte anos, havia alguns artistas que me diziam algo sobre a escrita, sobre o cinema, sobre a crítica. Pensava em (Serge) Daney, em Jacques Demy e em outros. Todos eles foram pessoas que me inspiraram. O filme serve-me assim de consolo e permite-me fazer essa história de amor entre estas personagens e fazer essa transmissão de algo que não pude viver e que me faz falta.
A escolha do título é curiosa, em três partes, ainda que não totalente original. De onde lhe veio a inspiração para este título?
Nessa altura, por volta dos anos 80, existem dois filmes que me impressionaram muito. Um obteve a Palma de Ouro, que foi Sexo, Mentitras e Vídeo e o outro o russo Não te Mexas, Morre e Ressuscita. Adorei estes títulos, e os filmes, em três tempos. Foram bastante importantes para mim. Quando decidi que ia abordar os anos 80 decidi que fariam parte desse universo. Foi por aí que se impôs o título.
Há um outro filme que está presente no filme, O Piano, de Jane Campion. Uma presença discreta, mas de que vemos um poster de fugida, mas também sentimos parte do seu perfil musical.
Vejo que reparou nele. Na verdade, é bastante discreto. Foi tambem uma forma de dizer olá a esta época. É também um filme muito importante, sobretudo agora que sou cineasta e admiro muito o trabalho de realização da Jane Campion. Gostei de colocar duas personagem diante deste filme. Na altura detestava o filme e agora adoro-o.
O ano passado tivemos aqui em Cannes, 100 BTM, este ano é vocês com este filme próximo do mesmo tema. O que pensa dessa comparação? Chegou a mostrar o filme ao Robin Campillo?
Na verdade, não conheço o Robin Campillo. Sei quem ele é e descobri o filme dele no final da minha montagem. Percebo essa aproximação, mas não me parece essencial. Em todo o caso gosto muito do filme dele, mas considero que são filmes completamente opostos. Para além disso, o Robin é bastante mais velho do que eu (oito anos), por isso não terá a mesma ligação à sida do que eu. No caso dele, uma sobrevivência à doença mas sem saber exatamente o que era a sida. Sinto que no filme dele existe um certo tributo aos amigos doentes e uma vontade de se perguntar porque sobreviveu ele. No meu caso, descobri a minha sexualidade precisamente nesta altura, em meados dos anos 80, numa altura em que existia uma grande campanha sobre a sida. Eu não fui contaminado por uma questão de disciplina. Portanto, não uma questão de sobrevivência, mas de encarar os anos 80 em que a sida foi um fantasma negro desse tempo, não só sobre os homossexuais, mas também partilhado por amigos hetero. O que tentei fazer foi uma fotografia animada da linguagem amorosa dos anos 80, ao passo que o filme do Robin Campillo refere mais o papel da Act Up. Reduzir a sua proxmidade por sefem dois filmes sobre homossexuais será algo redutor. O que seria interessante era ver um filme sobre a sida hoje em dia, porque existe uma certa vergonha sobre as pessoas que ainda estão contaminadas. Acho que o tema está muito ausente do cinema de hoje.
Será que podemos fazer uma ponte entre este filme e Canções de Amor? Pelo menos do ponto de vista romanesco? Haverá aqui alguma ligação?
Tem toda a razão. Pelo menos também do ponto de vista do humor, acho que este dois filmes têm essa ligação. Agora assumo completamente ter feito um filme romanesco, mas um melodrama em que pretendi privilegiar as sequências amorosas. Percebo que isso tenha chocado as pessoas. Sei que este é um melodrama e que isso será sentido pelo público, mas ao mesmo queria fazer esse lado de uma certa alegria de viver. Há uma certa disciplina nesse sentido, ao passo que em Canções de Amor é tocado pela tragédia e foram as canções de Alex Beaupain que me deram esse lado mais alegre, ao passo que aqui são os diálogos que superam esse lado mais grave. Pena é perceber como algumas pessoas salientam esse lado dramático, que me parece algo despesperado. Acho isso algo reacionário e politicamente correto recusar pensar que tenho de fazer um certo cinema de missa.
Podemos falar um pouco da banda sonora? Aqui já não há o Alex Beaupain. Foram escolhas pessoais ou uma memória coletiva?
O lado bom de ser cineasta e que posso escolher aquilo que sinto que se adequa mais, pela simpes razão de achar também que aquilo que eu ouvia nessa época mais ninguém ouvia. Por exemplo, sei que muitos homosexuais ouviam Madonna. Eu não e seria para mim absurdo integrar a música dela no meu filme. Ouvia mais Smiths, Massive Attack, Prefab Sprout, entre outros. Quando selecionamos uma banda sonora vamos interagir com o inconsciente do espetador, pois não sabemos exatamente o que irão pensar ou sentir. Mas espero que o filme seja visto não apenas por pessoas com mais de 40 anos e sobre um período da brit pop. Não é uma comédia musical, mas é um filme muito musical.
Tenho de lhe perguntar, como encara a sua colaboração com o produtor Paulo Branco, com quem trabalhou por diversas vezes?
Vejo-a como uma excelente recordação. O Paulo foi um produtor essencial para mim. Fiz com ele, Minha Mãe (2004), Em Paris (2006) e Canções de Amor (2007). Logo a seguir a Minha Mãe que foi muito mal recebido pela imprensa, pensei que iria deixar de fazer cinema. Até que o Paulo Branco me garantiu que faria um filme em seis meses. Perguntou-me com quem queria trabalhar. E depois disse-me que iriamos filmar em seis meses. E daí a seis meses estavamos a filmar. Foi um gesto à Paulo! O Paulo tem essa loucura, esse desejo de fazer cinema em que o dinheiro não é problema. Os problemas só surgem quando precisamos mesmo dele e não o temos. No entanto, para ele, nunca foi um problema para fazer cinema. Por isso, em todos os filmes que fiz com o Paulo quando começámos a filmar não tínhamos dinheiro. Mas sempre os fizemos. O Paulo tem uma enorme paixão pelo cinema. O Paulo Branco é o único produtor que posso encontrar em Paris, em que tomamos um café e depois disso posso assinar um contrato para fazer três filmes. Será o único produtor que nos convence que se queremos fazer um filme, poderemos fazê-lo na semana seguinte.