Dominik Graf está pela terceira vez na Berlinale, um festival a que regressa após longos intervalos, mesmo sem ter recebido, até agora, qualquer galardão. Talvez este ano seja diferente. Apesar da longa duração (178m) Fabian – Going to the Dogs não deixa de se posicionar como um forte candidato a prémios. Baseando-se no romance homônimo de Erich Kastner, de 1931, que equivale em importância ao romance Berlin Alexanderplatz, descreve-se os últimos dias da República de Weimar com sua vida excessivamente livre, brilhante, algo surreal, como se de uma manta de retalhos se tratasse. Algo que Graf faz com um (parece-nos) intencional desprezo pelo rigor de época – como se desejasse actualizar-nos um pouco a esse tempo, permitindo-nos hoje inalar o fumo dos cigarros de Berlim do século passado.
Essa fragmentação é veiculada no filme através de uma montagem sobressaltada, por vezes inquietante, que não recusa sequer o recurso ao ecrã dividido, por certo procurando uma reminiscência livre às experiências de montagem do cinema da época. Sobretudo numa Alemanha que ainda não se esquecera da Primeira Guerra Mundial, embora já à beira da 2ª Guerra Mundial. De registar que o romance de Kastner foi queimado na praça quando os nazis chegaram ao poder.
O filme é dominado, a espaços, pela relação tórrida entre Jakob Fabian (Tom Schilling), trabalhando como copy desk numa agência publicitária promovendo uma marca de cigarros. A sua vida desenvolve uma vertigem pós modernista depois de conhecer num clube underground a insaciável Irene Moll (Meret Becker). Graças a um uso inesperado (que não será para todos) de movimentos de câmara e montagem que convidam um olhar disponível para melhor digerir esta pequena odisseia temporal.
Por sua vez, o húngaro Dénes Nagy estreia-se em longo formato, bem como na competição para o Urso de Ouro, com Natural Light, numa outra tentativa de compreender os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial. Denes Nagy revela uma página da História vista pelos olhos de um fazendeiro húngaro designado a um grupo em busca de guerrilheiros soviéticos nos territórios ocupados.
Inevitavelmente lembramo-nos de um outro filme húngaro que, em Cannes, seguiu um prisioneiro de um campo de concentração nazi chamado Saul dirigido por Laszlo Nemes. Desta vez, é o húngaro que segue o capacete de metal de Istvan Semetki por duas horas em antecipação à tragédia. O filme é sobre a guerra, mas apenas alguns minutos são de combate. O resto do tempo é preenchido com ar frio e cinzento, saturado de medo e silêncio. O protagonista vive um difícil monólogo interior, tentando permanecer humano no inferno pantanoso em que se encontra.
Istvan é desempenhado por Ferenc Szabo, cujo perfil, como se talhado na pedra, se assemelha aos ídolos da Ilha de Páscoa e às esculturas da época do Terceiro Reich. Segundo uma das lendas, os ídolos guardavam o poder do clã. Uma escultura alemã do final dos anos 1930, mostrando uma pessoa sem falhas, tinha quase a mesma função. Mas uma pessoa, ao contrário de uma pedra, nem sempre é passível de processamento, e o humanismo, ou pelo menos sua centelha, pode revelar-se oculto e destrutivo para o sistema, mas uma falha que salvará o mundo.