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Denis Côté: “Higiene social pode ser a limpeza da nossa imagem na vida e nas redes sociais”

Denis Côté (via Zoom)

Denis Côté traz um filme novo ao festival de Berlim em cada três anos. Normalmente, na seleção oficial para Urso de Ouro, embora este ano o mais experimental Hygiène Sociale se enquadre melhor na secção Encounters. Aliás, este é um excelente exemplo do cinema em tempos de pandemia, sem recurso a efeitos, meios financeiros, fantasias, maquilhagem ou complicados movimentos de câmara. Mas Côté diz que não foi um filme provocado pelo covid.

“É claro que estava à procura de ironia e distância”, exclama Côté do outro lado do ecrã na nossa entrevista via Zoom, algures em Quebeque. “Nem vale a pena pensar no covid, porque poderia ter imaginado o filme a passar-se num quarto. Poderiam ser os mesmos diálogos, só que menos divertidos”. Denis fala rápido, pleno de energia e entusiasmo, de forma quase hiperactiva. Um pouco como o seu cinema. Aliás, acrescenta que o filme foi escrito há cinco anos atrás num quarto de airbnb, em Sarajevo, e que já na altura tinha o mesmo título e personagens a declamarem uns para os outros no meio do campo.

“Quis fazer um filme intemporal, brincando com tempo e espaço, em que as personagens são mais protótipos os arquétipos. Não têm uma personalidade muito formada. O que fica no final é a palavra, o discurso.” Algo que é para ser levado também com algum humor. Nesse sentido, cita a influência do sueco Roy Anderson (de quem vimos recentemente Da Eternidade), por se tratarem de nobody’s in the middle of nowhere. E acrescente até um pedido de ajuda. “Ainda nem sei bem como falar deste filme, acho que preciso da vossa ajuda”, diz a sorrir.

Hygiène Sociale desenrola-se ao longo de seis capítulos, cada um deles filmado num único plano sem qualquer indício de montagem. Por vezes mesmo sem encararem o actor com quem contracenam. Um pouco à maneira de Jean-Marie Straub – só que sublinhado por um lado mais dandy, como o próprio defende.

O protagonista é um jovem chamado Antonin (que o realizador garante nada ter a ver com Antonin Artaud), um assumido ladrão e poeta diletante que recebe acusações de várias mulheres com quem fala de forma distante. A irmã, a esposa, a namorada, uma assistente do ministério e um conhecido casual. Naturalmente, lança ao espectador o desafio por um ritmo demasiado pausado dos diálogos e do movimento estático.

Alguns deles aparecem em trajes antigos, outros em roupas modernas – lembrando assim que o tempo voa, a moda muda e uma pessoa permanece inalterada nos seus desejos, medos e possibilidades. Essa inflexibilidade e a constância é enfatizada pelas posições estáticas das personagens que se tornam duplamente inconvenientes para a comunicação.

E o que poderá estar na ideia de higiene social? Côté sugere: “pode ser a limpeza da alma, da nossa imagem. Não são na vida real, mas também nas redes sociais. Eu sei que pensei um pouco nisso quando estava a escrever o texto. Mas imagino como todos os dias procuramos compreender como controlamos tudo o que aparece sobre nós no Facebook ou nas outras redes sociais. Apesar de estarmos constantemente a postar elementos pessoais. Por isso, acho que acabamos por adorar pessoas ou odiá-las por estarem das redes sociais. Por isso pergunto como controlamos a nossa imagem social? Acho que é isso que fazem, tentando encontrar um equilíbrio. O título é apenas fancy“.

Perguntamos-lhe como se prepara para o gesto de filmar, já que se mantém bastante activo. Ele concorda “Eu faço pelo menos um filme por ano”. Ou seja, será portanto um realizador prolífico. Cita, por exemplo, o caso de Hong Sangsoo (que também exibe em Berlim o seu novo filme Introduction) e que pode fazer “dois ou três filmes num ano”. No seu caso, admite que não seria capaz de fazer apenas um filme a cada cinco anos. “Faço filmes, como se constroem casas. Tenho 47 anos e posso dizer que o meu 13º filme foi feito em quatro dias e não custou nada. Posso dizer isto porque uso o cinema não para alcançar algo, mas para me libertar. E para me sentir bem comigo próprio. Não para ganhar prémios. O que gosto é de tentar coisas diferentes. Não faço filmes para mudar o mundo.”

Sente-se que Denis Côté necessita estereótipos. Talvez por isso os seus filmes sejam muito solicitados por festivais, como Locarno, onde levou cinco filmes. O último foi em 2017, com Ta peau si Lisse, uma aproximação à vida de body builders, embora em registo pausado de pura observação. Bem como em Berlim. Curiosamente, foi também em Berlim, precisamente o ano passado, em que o romeno Christie Puiu trouxe (e venceu) na mesma secção, a sua pièce de résistence com o filme Malmkrog. Curiosamente, um filme que assenta em longos planos sequência, e uma divisão em capítulos, em que a catarse é alcançada por meio de longas conversas sobre o destino do mundo.

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