Quinta-feira, Maio 2, 2024
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Joseph Fahim, programador do KVIFF: “Podíamos ter feito três retrospetivas diferentes”

A conversa com Joseph Fahim acabou por tornar-se imperativa à medida que iam sendo descobertos os filmes da The Film Foundation ao longo das diversas salas do KVIFF, após cada uma das suas apresentações. Em certa medida, com uma secção paralela que quase assegurava um festival alternativo, pleno de descobertas fascinantes. Com a particularidade do público de Karlovy Vary, sempre sedento de ver filmes, ocupava todas as sessões. Fosse para descobrir ou rever algum clássico americano raro, ou para conhece pérolas do Sri Lanka, Costa do Marfim ou Taiwan. Tínhamos mesmo de falar (e conhecer) o Joseph Fahim, um programador e crítico egípcio, com ligações a vários festivais, como Karlovy vary, onde é o delegado do cinema árabe, além de ter participado na programação do festival de Berlim e do Cairo.

Temos de começar esta conversa pela seleção dos filmes. Existiu algum critério específico para esta escolha, que foi feita em parceria com Karel Och, o diretor artístico do KVIFF?

A ideia era criar uma retrospetiva com a The Film Foundation para o 55º aniversário, que teria sido o ano passado. Entretanto, apareceu a pandemia e tudo foi adiado. Um dos problemas para superar é sempre a obtenção de direitos de exibição de grande parte destes filmes, pois muitos deles não pertencem à The Film Foundation. Quer dizer, foi um longo processo. Claro que existiam filmes que à partida reuniam o consenso de ambos.

Por exemplo?

Lembro-me de o Karel me ter dito no início que avançando com o projeto havia um filme que teria de estar presente – o “The Breaking Point“, do Michael Curtiz. Ora, trata-se de um filme que tanto eu como ele desejávamos. Portanto, essa foi a primeira escolha. A outra que estávamos igualmente empenhados era o filme do Edward Yang, “Brighter Summer Day“. O Karel tem dois filmes favoritos da sua vida; um deles é o do Michael Curtiz e o outro o “The Queen of Diamonds“. Depois foi uma negociação interminável.

Imagino que não seja fácil fazer uma seleção a partir do imenso arquivo da The Film Foundation…

É claro que poderíamos ter feito, pelo menos, três seleções diferentes. Mesmo respeitando o mesmo critério. Mas há duas coisas que procuramos fazer em cada retrospetiva: por um lado dar a hipótese ao público de ver os seus filmes favoritos no grande ecrã, e também de poder partilhar essa experiência. Por exemplo, poder ver um como o filme do Cassavetes (A Woman Under the Influence), como o do Michael Curtis. Por outro lado, no que diz respeito a filmes estrangeiros, insisti para que fossem filmes pouco vistos, filmes que permitissem fomentar discussões novas em seu redor.

Já que fala do Cassavetes, este acaba por ser um ciclo dividido entre o cinema americano e o resto do mundo. Foi intencional?

Não foi intencional termos cinco filmes. Mas quando mais procurávamos mais se tornava difícil recusar certos filmes. Por isso, cada filme americano escolhido tem a sua razão de ser.

Um deles, o “Putney Swope” é uma verdadeira bomba! Foi incrível a recção do público a manifestar-se e aplaudir durante toda a projeção.

Fico muito contente. É capaz de ser talvez o filme mais popular da série. Muita gente me tem abordado na rua para elogiar esse filme, mas outros também. Mas, tem razão, esse é um filme fora deste universo! Infelizmente tem também uma história triste. E que, infelizmente, uma semana depois de completarmos a programação, o Robert Downey Sr. (o realizador do filme) faleceu. Isso deixou-me bastante abatido, porque conheço o trabalho dele há imensos anos – e que, aliás, recomendo muito! Este é um cinema que não se viu nos anos 60 nem nos mais ousados dos 70.

O Queen of Diamonds também foi uma ótima surpresa. Não o conhecia.

Sim, acredito. É uma visão portentosa do fim do sonho americano.

Aylam, aylam

Sim, eu lembro-me de o Joseph ter dito isso numa das suas apresentações, talvez no filme da Nina Menkes. Mas não será, talvez, uma ideia que se possa estender aos outros filmes? No sentido de transmitir alguma insatisfação que nunca chega a ser compensada?

Sim, eu acho que esse tipo de sonho já ninguém o defende. É claro que alguns filmes são mais desafiantes que outros, sobretudo quando queremos fugir às escolhas mais óbvias. Por exemplo, eu queria ter um filme árabe. O “The Mummy” (Al Mummia), por exemplo, do Chadi Abdel Salam, considerado o melhor filme árabe de todos os tempos. Mas ao mesmo tempo que fosse pouco conhecido. A escolha acabou por ir para o “Aylam, aylam“, do Ahmed El-Maanouni.

Que papel tem hoje em dia o Martin Scorsese na Fundação e nas retrospetivas e que se vão fazendo e decisões que se vão tomando?

A Fundação é uma organização não lucrativa. É gerido por diversos fundos privados. E por diversos governos que vão contribuindo com algum dinheiro. O Scorsese tem sido, por exemplo, bastante ativo na defesa e preservação do cinema africano. Parte da atividade da Fundação é inspirada pelo trabalho do Scorsese. Ele é o elo principal da organização, sem ele não poderia funcionar. Eu admiro o que ele fez com o African Project. Por exemplo, um filme como “La Femme au Couteau” é extremamente difícil de encontrar e passou muito poucas vezes. Esse foi um dos ‘bebés’ do Scorsese. Algo que necessitou de um grande investimento, mas ele para fomentar esse investimento dificilmente se alcançaria este resultado.

Já agora, posso perguntar-lhe qual é o seu ‘bebé’ desta retrospetiva?

O meu filme preferido? Eu tenho vários ‘bebés’. Por exemplo, o “What Price Hollywood?“. É um filme muito pouco visto. Sobretudo restaurado. Não imagino como seria o mundo do cinema hoje se não tivesse sido moldado pelo código de Hayes. Vê-se bem a diferença neste filme, com essa liberdade de mostrar e fazer. Mas pergunta-me quais os meus preferidos. É claro que gosto de todos eles. Mas tenho uma simpatia especial pelo “The Treasure“. É sumptuoso. É uma história que atravessa tantas culturas diferentes.

Como definiria o papel que tem a The Film Foundation?

A film Foundation é uma gota no oceano. Tem inspirado tenta gente a fazer isto. Mas motiva o trabalho de muita gente, muitos países. Esta é a nossa memória coletiva. Mas também o que é considerado ou não um clássico. Por outro lado, acho que tem ajudado a alterar o que é considerado cânone. Bem como o que vale a pena ser preservado e o que não vale. É claro que a organização tem crescido muito e com a chegada do streaming existe uma procura ainda maior.

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