A Metamorfose dos Pássaros, Diários de Otsoga e No Táxi do Jack são apenas alguns dos grandes filmes a concurso ao Grande Prémio e prémios oficiais dos Caminhos
A 27ª edição dos Caminhos do Cinema Português decorre em Coimbra desde o dia 6 de novembro até este sábado, dia 20, o dia em que se conhecem os vencedores nas diversas categorias competitivas, na cerimónia a decorrer no Teatro Académico Gil Vicente, na cidade universitária do Mondego. Aqui os vencedores desta verdadeira ‘queima das fitas’ (leia-se no melhor sentido, claro), seja na Seleção Caminhos, Ensaios ou Outros Olhares, bem como nas mostras paralelas, sempre com longas e curtas metragens, de ficção, documentário e animação, contemplando assim a escolha eclética da programação que reflecte a mais recente produção e co-produção portuguesas.
Além disso, esta soirée será ainda complementada por uma projeção absolutamente história, no caso, a exibição do filme Três Dias sem Deus, de Bárbara Virgínia, a primeira cineasta portuguesa em longa metragem. Na verdade, apenas com os únicos excertos existentes (ao todo 27 minutos, sem banda de som) de uma película realizada em 1946 e que seria selecionada para a primeira edição do Festival de Cannes. Hoje será abrilhantada pelo acompanhamento musical de Marcelo dos Reis.
Estão então criadas as expectativas para algumas das produções nacionais com maior impacto em Portugal, quase todas como um robusto percurso internacional.
Isto num ano de resistência, face das limitações impostas pela pandemia, com uma paralisação quase generalizada de produção e exibição de cinema. Talvez por isso mesmo, esta edição confira aos Caminhos um regresso ainda mais robusto. Desde logo, merecido pelo aumento do espaço de exibição proporcionado pela aproximação da Casa do Cinema de Coimbra, uma instituição inaugurada em Maio passado, por iniciativa do CEC Centro de Estudos Cinematográficos em parceria com o Fila K Cineclube, tendo a missão de desenvolver o encontro cinéfilo num dos espaçosas míticos da cidade, o Cinema Avenida. Alia-se assim ao espaço central da sala do TAGV – Teatro Académico Gil Vicente e do Auditório Salgado Zenha.
A verdade é que ano após ano, Coimbra vem-se afirmando como o grande polo aglutinador da produção cinematográfica nacional e os Caminhos do Cinema Português como a iniciativa responsável por passar em revista e avaliar o melhor da criação de cada ano. Comprova-se assim que uma boa ideia, mesmo quando gerada em contexto universitário – como foi em 1988 -, poderá converter-se numa verdadeira cátedra, com toda a sua capacidade de análise e discussão. Foi precisamente isso que sucedeu naquela década de 80 quando o complemento prático de um curso de verão, para alunos estrangeiros da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, motivou nascimento, crescimento e relevância de uma mostra de cinema português, alavancado anualmente por uma inegável componente prática (exprimida em diversos workshops, parte do DNA dos Caminhos) ao longo deste percurso, apesar de algumas interrupções. A 27ª edição não é exceção, comprovando essa vontade de crescimento.
Relativamente à seleção Caminhos, a mais importante do certame, fica patente o compromisso e a motivação da produção nacional no desenvolvimento causas, alguma delas fraturantes. Algo que se verifica tanto no território da ficção como no documentário (em longas e curtas metragens), embora talvez de uma forma mais marcada na imagem real, numa edição que retomar o fôlego após as limitações naturais da crise sanitária, embora com alguns filmes que tiveram uma consagração em festivais internacionais. Falamos, desde logo, do fulgurante percurso do notável A Metamorfose dos Pássaros, de Catarina Vasconcelos, o filme recentemente escolhido pera representar Portugal nas nomeações ao Óscar de Melhor Filme Internacional. Este que logo em Berlin, edição de 2020, na secção Encounters, se revelou como um fenómeno aglutinador de aplausos generalizados, talvez devidos à forma como a cineasta soube fundir a linguagem cinematográfica com o poder da palavra, conferido pelas cartas de amor da sua família, aliando uma visão profundamente icónica, própria de uma artista plástica, conferindo ao filme aquela leveza que não pertence aos homens, mas aos seres alados, e que atribui a este filme aquele condão raro de uma verdadeira preciosidade no cinema. Também da Berlinale, mas de 2021, chega-nos O Taxi de Jack, de Susana Nobre, um filme que tivemos oportunidade de seguir na versão online do festival, evocando a burocracia e o desemprego em Portugal, ou ainda de Diários de Otsoga, de Miguel Gomes, realizado em plena crise covid, igualmente conferido durante na Quinzena dos Realizadores, no último Festival de Cannes.
Merece referência também o caso da surpreendente e tocante comédia romântica Gaza mon Amour, dos gémeos palestinos Tarzan e Arab Nasser, uma co-produção internacional palestina, em parceria com a Ukbar Filmes, de Pandora da Cunha Telles e Pablo Iraola, com estreia mundial no passado festival de Veneza (e exibido também no passado IndieLisboa), e a escolha para a nomeação aos Óscares, sobre o poder do amor sem idade (com Hiam Abbass).
Ainda a concurso, Sombra, de Bruno Gascon, com Ana Moreira, aflorando um outro aspeto da condição humana, uma vez mais, inspirada em factos reais (como em Carga, de 2018, sobre o tráfico de seres humanos), neste caso, seguindo o trauma do desaparecimento do filho de um casal durante 15 anos; também A Arte de Morrer Longe, de Júlio Alves (depois de Sacavém, de 2019), compondo uma comédia alicerçada nos conflitos do fim de uma relação conjugal; ou o acto de amor de O Úlitmo Banho, de David Bonneville (também com inúmeras presenças internacionais), com Anabela e Margarida Moreira; ainda o gesto de cinema em Simon Calls, uma produção da Videolotion, com realização de Marta Sousa Ribeiro; por fim, The Club of Angels, uma co-produção entre Portugal e o Brasil, assinadas por Angelo Defanti.
O mérito já lá está. Vejamos então quem celebra a ‘queima das fitas’.