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Pedro Cabeleira: “Urso de Ouro? Isso nem me passa pela cabeça”

Pedro Cabeleira, em Berlim

Pedro Cabeleira tem razões para sorrir. A sua curta By Flávio foi muito bem recebida aqui em Berlim. Apesar disso, o cineasta de 30 anos não se sente minimamente perturbado pela ideia de concorrer para o Urso de Ouro. “Para falar verdade, isso não me passa mesmo pela cabeça. Estou a gostar imenso de estar aqui em Berlim, mas hoje estive até mais preocupado em arranjar fraldas para a minha filha”, disse a sorrir.

Seja como for, By Flávio prolonga o olhar à geração que é a dele. De resto, algo bem evidenciado em Verão Danado, merecedor de uma menção honrosa no festival de Locarno, em 2017. Agora, neste pequeno filme de cerca de vinte minutos, produzido pela Primeira Idade e com promoção e distribuição pela Portugal Film (responsável também aqui em Berlim por Super Natural, de Jorge Jácome), condensa um cinema vigoroso, que procura o seu público. E que pode, muito bem, juntar-se sem vergonha ao pequeno (mais luxuoso) conjunto de curtas portuguesas já premiadas com o Urso de Ouro em Berlim. Falamos, naturalmente, de Diogo Costa Amarante (Cidade Pequena, 2017), Leonor Teles (Balada de um Batráquio, 2016) e antes dela ainda João Salaviza (em 2010, com Rafa). De referir que o trabalho de Leonor Teles regressa uma vez mais a Berlim, desta feita a assegurar a fotografia de Cabeleira, tal como fizera com a longa Verão Danado, também de 2017.

Por aqui passa uma viagem intensa sobre essa projecção artificial que geramos das imagens individuais, tão em voga hoje em dia nas redes sociais e, em particular, nas imagens retocadas do Instagram que permitem reproduzir melhores versões de nós próprios. No caso, essa realidade cruza-se com a sedução e o encontro entre uma jovem mãe solteira (Ana Vilaça) com um rapper estrela na rede (Tiago Costa). Bem como o desalinho de interesses não concordantes entre o desejo romântico dela e a intenção mais interesseira dele.

Filme intenso e vigoroso, que se percebe o acompanhamento e a crescimento no cinema de Pedro Cabeleira. Ele que nos declarou, em 2017, que se descobriu como realizador com Verão Danado. Aqui evidenciado, não só pela fluidez da câmara de Leonor Teles, bem como pelo domínio da narrativa e da duré, mas sobretudo pela forma como Cabeleira capta e, ao mesmo tempo, reflecte a projecção dessa realidade aumentada. Em particular, como representa formalmente em cinema um ecrã de telemóvel e combina a realidade projetada do Instagram, ou sejam através das apps que acentuam com generosidade certas partes do nosso corpo, como faz a personagem de Ana.

By Flávio

Segundo nos confidenciou, durante uma conversa informal, em Berlim, este foi um projecto que nasceu no ‘intervalo’ entre em que estava à procura de financiamento para a segunda longa metragem que fará a seguir.

O pronto de partida foi o desejo de voltar a trabalhar com a Ana Vilaça. Isto a partir de uma ideia do o co-argumentista Diogo S. Figueira, colaborador habitual no Entroncamento, onde Pedro vive atualmente. Tudo começou quando Diogo viu “uma mãe que estava a ser fotografada por um filho”. A atenção por essa imagem cresceu: “e foi a partir daí que fomos construindo as personagens”. Para além disso, Cabeleira queria também “envolver o mundo do hip-hop, do rap tuga atual, do trap, agora muito na moda. E também esta ideia de ser uma personagem do interior, de Torres Novas.”

Desse ponto de vista, a ideia parece totalmente conseguida. By Flávio é um filme sobre essa distância tangível entre o desejo virtual e uma realidade bem mais dura, por vezes mesmo cruel, desta história filmada entre a praia de São Martinho do Porto e uma zona comercial de Torres Novas, naquele que é um regresso do cineasta do Entroncamento às suas raízes.

Aliás, no seu próximo projecto, Cabeleira voltará a reproduzir a realidade do seu território, do Entroncamento, com personagens que, uma vez mais, são suas contemporâneas. Como se filmasse a sua própria vida através de outros, Confirmada está já a presença de Ana Vilaça, uma vez mais como protagonista, embora, desta vez, todos envolvidos numa “ideia mais desoladora”, de certa forma “também eles perdidos e muito dificilmente se vão encontrar”.

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