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Curtas Vila do Conde: Animação sobre violência doméstica serve-se com Sopa Fria

Sopa Fria, de Marta Monteiro (Foto: Curtas)

Sublinhar o ótimo, fértil e diversificado estado da produção nacional no segmento curtas metragens corre o risco de tornar-se num exercício repetitivo. Até porque há muito que pelo Curtas de Vila do Conde têm passado sucessivas vagas de revelações, novos autores, a par da confirmação de realizadores que confirmam um trabalho muito consistente. Este ano não é exceção, na sequência aliás da excelente edição do ano passado. Curiosamente, até, no campo da animação, com a renovação de diferentes propostas, após o sucesso de Ice Merchants, de João Gonzalez. Sejam elas de autores consagrados ou estreantes.

Olha, de Nuno Amorim (Foto: Curtas)

Na edição deste ano do Curtas (de 8 a 16 de Julho), concorrem três valiosos filmes de animação na Competição Nacional (e também Internacional). Curiosamente, em Olha, do experiente Nuno Amorim, escrito em parceria com Vanessa Ventura, é o próprio ato criativo que move a própria narrativa, num estilo muito solto, que parece assumir como ponto de partida a premissa da iniciativa (ou génese) de inspiração pelas discussões dos dois argumentistas. Por isso mesmo, a proposta seduz pela própria liberdade criativa, o esboço, as tentativas e não o produto final. É como o mergulho de Alice, sem saber onde irá acabar o sonho. Ou o pesadelo. Ao passo que em Quase me Lembro, da dupla estreante Miguel Lima e Dimitri Mihajlovic, é a angústia da memória de uma jovem que procura respostas nas quimeras do passado e da casa do seu avô. O filme é movido por um traço inquietante de imagens oníricas atravessadas pela respiração ofegante de quem quer saber.

Ainda assim, do trio muito consistente de filmes de animação, acaba por ser Sopa Fria, de Marta Monteiro, que toca as notas mais altas. Desde logo, pela forma como introduz o elemento de violência doméstica numa estética precisa em que o traço se autonomiza de um cenário de colagens onde emergem figuras sem rosto. “O meu marido sempre me bateu”. Esta é a frase de partida que irá ambientar essa ponte entre uma denúncia que não ousa sequer abdicar totalmente de uma noção servil que não esquecerá a sopa fria, mesmo na hora da fuga. Vigoroso pela forma precisa e criativa como a animação nos remete para um território ao mesmo tempo doloroso, embora sem deixar de ser decorativo e assustadoramente familiar.

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