Uma família disfuncional alemã acaba por ser doutrinada pela dimensão esotérica de uma empregada síria. O problema é que a ambição do filme em abordar diversas temáticas candentes acaba por o esvaziar de interesse.
No final das duas horas e 40 minutos de duração de Das Licht, o filme de abertura da 75.ª Berlinale, um espectador isolado esboçava um tímido aplauso, logo cortado por um apupo também ele isolado. Talvez essa tentativa de entusiasmo se referisse à ambição de Tom Tykwer em abordar um menu de temas da nossa turbulenta atualidade, embora com o reflexo de que esse ‘embrulho’ não era partilhado. Provavelmente, esta sensação de mixed feelings terá sido partilhada pelos jornalistas que encheram as diversas salas do CinemaxX, o multiplex que acompanha regularmente a Berlinale.
Filme de abertura, dirão alguns, como que a justificar um lado decorativo e bem-intencionado que, normalmente, não deixa memória. “The Light” (na tradução internacional) o autor do brilhante Corre, Lola Corre (1998), alcança o recorde absoluto de apresentar por três vezes um filme na cerimónia de abertura do festival. Assim foi com Heaven – Por Amor (2002), depois The International – A Organização (2009) e agora “The Light” (2025). Esse feito ninguém lho tira!
Aparentemente, o autor de Cloud Atlas (2012), o filme que fez em parceria com as manas trans Lana e Lilly Wachowski, tem uma certa queda pelo envolvimento de grandes questões e causas, as quais adorna com uma dimensão tecnológica. Uma desmesura temática que dificilmente alcança um património de credibilidade capaz de impactar o espectador. Expliquemo-nos.
Talvez Tom Tykwer se tenha deixado encandear pela luz criada pelo filme. Mas não por uma falta de ideias. Começa por abordar Farrah (Tala Al-Deen), uma emigrante síria muito experiente que se conecta com um desagregado agregado burguês de esquerda, onde a criatividade e a humanidade dos progenitores – ela (Nicolette Krebitz), empenhada em ações humanitárias em África; ele (Lars Eidinger), a gerir uma empresa de comunicação empresarial viradas para as pessoas – rima com os paraísos artificiais dos filhos gémeos adolescentes – ela (Elke Biesendorfer) passa a noite a dançar, abraçada aos amigos em tripsalucinogénias; ele (Julius Grause), passa as noites fechado no quarto imerso num mundo de realidade virtual.
Complicado? Por certo. Até porque se junta ainda Dio (Elyas Eldridge), uma criança de cinco anos de pai africano, fruto de uma aventura da mãe desta família, forçada a acolher o filho em guarda partilhada sempre o pai está na Alemanha. É, aliás, o pequeno Dio a trazer para o filme uma inesperada dimensão musical – um pouco na linha de “Emilia Perez” -, numa variante de Bohemian Rapsody, o mítico tema dos The Queen.
Se é verdade que, de um lado, se assistem aos fantasmas da velha Alemanha, também não é menos certo que, do outro, se procura apaziguar um certo niilismo atual muito new age. Modos de ver o mundo que acabam por chocar de frente com a realidade mais brutal vivida por Farrah. Algo que faz pelo uso de um estranho feixe de luz estroboscópica e que resulta num estranhíssimo final de solução mais do que duvidosa, em que a este contexto se adiciona o drama do povo sírio, numa aproximação virtual.
É aí que a música dos Queen ganha um inusitado sentido: Is this the real life? Is this just fantasy?