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‘A Melhor Mãe do Mundo’: entre o abuso e a liberdade

A Melhor Mãe do Mundoa nova entrega da brasileira Anna Muylaert, explora novos contornos de um cinema emotivo e familiar, de certa forma na linha de Que Horas Ela Volta (2015) ou Mãe Há Só Uma (2016), por sinal, dois filmes exibidos na Berlinale.

Regressa agora um novo drama social ao abordar a violência doméstica e o abuso patriarcal, através da decisão de uma mulher em denunciar o companheiro de maus tratos e decidir (não se algumas hesitações) seguir sozinha a sua vida com os seus dois filhos. Seguramente, um registo onde se sente que esta mãe encarna em si própria os traumas de tantas brasileiras. Mas é também essa energia desmesurada, devolvida com uma entrega integral por parte da atriz Shirley Cruz que marca, desde já, uma interpretação feminina que o júri terá de contemplar.

O seu nome é Gal. Ela é uma verdadeira mãe-coragem que carrega pelas ruas do Rio de Janeiro produtos reciclados que irá trocar por um punhado de reais que lhe permitem continuar a viver e tomar conta dos seus filhos. Tremendo é o quadro em que Gal avança avenida acima, no meio do trânsito caótico, puxando a carroça como se fosse um animal de carga. Essa imagem de esforço e determinação ficar-nos-á na memória.

Quando repara que o namorado levou os filhos de casa dela, percebe que terá de os recuperar e escapar a mais uma sessão de violência conjugal por parte do namorado Leandro. E onde o efeito da bebida era normalmente complementado por sexo e violência. Fará até todo o sentido explicar que esse papel é interpretado com muita convicção pelo cantor e artista (mas também ator), Seu Jorge, ele próprio que contempla as diversas facetas da mulher nos seus temas.

Aliás, é precisamente com uma queixa aos serviços sociais que começa este filme que nos devolve ao significado mais básico de ser mãe. Em particular no momento da fuga deste pequeno agregado pela cidade que se transforma numa autêntica e inesquecível aventura.

Pela sua dimensão onírica e terrível ao mesmo tempo, torna-se agradável reconhecer como aceita a comparação à sequência mais memorável do filme Night of the Hunter/A Noite do Caçadoro clássico (e obra-prima!) de Charles Laughton, de 1955. Em grande parte, pela ocupação que as crianças fazem desse espaço geográfico, habitado por elementos fantásticos, quase de terror, embora privilegiado pela liberdade de conquistar a cidade. Seja quando dormem ao relento (ou melhor, fazem campismo, no dizer da mãe), apenas tapados com um plástico por cima, mas igualmente pelas personagens que conhecem na rua. Exatamente como em “Night of the Hunter”.

É também aqui que a câmara de Muylaert reivindica o seu espaço, contemplando estes seres que são, ao fim de contas, o lado humano, também ele reciclado, nas franjas da sociedade. E que se sabem reencontrar, nem que seja em redor de um churrasquinho, cervejas e samba.

Mesmo sem ser um grande filme, pois nunca assume deixar de ser mais do que um melodrama bem-intencionado, “A Melhor Mãe do Mundo” é um conto social que importa reter. Sobretudo pela demonstração de amor e proteção de uma mãe coragem.

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