Quinta-feira, Fevereiro 20, 2025
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‘Living the Land’ e ‘Hot Milk’: a vida familiar abre a competição

No primeiro dia dedicado à competição oficial da Berlinale nº 75, pode dizer-se que as relações familiares tomaram conta da ação. Apesar de registos bem diversos, e linhas de força diversas ou desiguais, tanto Living the Land, o segundo filme do cineasta chinês, Huo Meng, como Hot Milk, da britânica Rebecca Lenkiewicz, são ambos captados em torno de um certo prisma familiar. A diferença está sobretudo no olhar.

Enquanto que Meng opta por um ponto de vista quase observacional, onde melhor capta as nuances de uma comunidade rural num período de transição económica e social, Lenkiewicz aproxima uma sinuosa e secreta tensão geracional entre mãe e filha. Deste conjunto, a produção chinesa será aquela que mais (e melhor) se destaca.

Huo Meng centra a acção numa das zonais rurais mais pobres da China, no ano de 1991, em período de fortes transições sociais e tecnológicas (pouco depois dos protestos e o massacre da Praça de Tianamen) onde algumas famílias partilham de forma comunitária e secular um pedaço de terra.

O filme centra-se entre dois funerais, como que a marcar esses ritos de passagem – a verificação e preparação para o casamento, tal como a verificação das meninas que chegam à idade de casar, as brincadeiras de infância dos garotos e até a forma como era tratado o deficiente da aldeia. E acompanha mais de perto Chuang (Wang Shang), um menino de 10 anos enjeitado por diversas famílias por os pais terem ido trabalhar para longe. “Este não é o teu lugar”, diz-lhe a certa altura o seu tio, quando este pergunta se poderá, um dia, ser enterrado no mesmo mausoléu da avó.

O que mais cativa, ou melhor, entranha, é o posicionamento da câmara, como quem olha para a História e observa, sem emitir juízo. Assim se descrevem os ciclos da terra, tal como o ciclo das diferentes fases da vida e a complexidade dos elos familiares. Algo que o cineasta faz com subtis e discretos pontos de vista e movimentos que melhor dão conta destas cenas captadas com assinalável realismo e sensibilidade. Mesmo numa comunidade em que se percebe que as emoções familiares não são reais, mas apenas regras de conduta.

Em Hot Milk, Rebecca Lenkiewicz adapta o romance de Deborah Levy, de 2016, centrando-se no momento em que a mãe Rosa, interpretada de forma decidida pela atriz irlandesa Fiona Shaw, e a filha Sofia (Emma Mackey), uma jovem estudante de antropologia durante uma estadia estival na cidade de Almeria, no litoral sul espanhol. Só que este ligar de lazer não se confunde com férias, mas antes com uma tentativa de cura da aparente paralisia dos membros inferiores de Rose na clínica do Dr. Gomez (Vincent Perez).

Temos então, de um lado, a imobilidade da mãe, e do outro, uma certa ansiedade surda da filha, que acabará por se envolver com uma audaciosa estrangeira (com a entrega habitual de Vicky Krieps). Contudo, estes serão apenas alguns dos diversos elos narrativos, temperados com a sensualidade própria do Mediterrâneo, mesmo que deixem por satisfazer algumas incógnitas sobre o passado dos pais de Sofia, sobretudo depois da visita que esta faz ao pai na Grécia e que não via há mais de uma década. Talvez por a narrativa do livro ser contada através de Sofia, por ser que justifique esse final a negro, abrupto, pouco compreensível e totalmente em aberto.

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