Quinta-feira, Fevereiro 20, 2025
InícioFestivaisBerlim'Mickey 17': Homens para queimar, cinema para reciclar

‘Mickey 17’: Homens para queimar, cinema para reciclar

“They were expendable”, assim reza o título do filme do John Ford, realizado há precisamente 80 anos. Isso mesmo, no ano do fim da 2.ª Guerra Mundial. O que isto tem a ver com Mickey 17? Isso. Rigorosamente nada. Mesmo que à personagem de Robert Pattinson diga bastante, pois é esse o seu destino, a reciclagem. Então e o filme é bom? Not.

Compreende-se a necessidade de filmes comerciais (e com buzz) nos festivais. Depois da presença de Timothée Chalamet, eis que Robert Pattinson garantiu o bruá dos fãs e em redor da Berlinale. Só que o coreano Bong Joon-Ho não criou apenas um Mickey/Pattinson. Mesmo que a sua personagem seja a de um pateta simplório. Imagine-se então 17! Ou melhor 18. Mas já lá vamos. Mesmo que o romance de ficção científica de Edward Ashton, que dá origem ao guião adaptado, o tenha definido para esta estreia que promete fazer sensação, em formato IMAX, já a partir de dia 6, num cinema perto de si.

Sim, voltamos aos pecados do capitalismo e a um mundo que cessou de digerir todo o mal feito e se tornou inabitável. Percebe-se a filiação de Bong pelo universo de um futuro inventivo, como nos convenceu em Snowpiercer (2013) e até em Okja (2017), o filme que pôs o Festival de Cannes a debater a legitimidade de um filme da Netflix na sua competição oficial. Claro que isso já foi há muitos anos. Hoje o mundo é diferente.

É aí que ganha corpo a peregrina ideia de habitar um novo planeta – Niflheim.

Assim se gera a expedição que levará uma nova comunidade de seres humanos prontos a povoar, promovida pelo magnata timoneiro, Kenneth Marshall, em que Mark Ruffalo se entretém a fazer uma reciclagem conjunta entre Trump e Musk. E, diga.se, sai-se bem nos esgares. Pormenor, Pattinson (ou seja, Mickey) esqueceu-se de ler o contrato e aceitou ser um expendable / descartável / reciclável. Um efeito produzido graças a uma impressão biológica que permite reunir e reintegrar os elementos biológicos (memória acompanhada) do ser. E como se adivinha, várias vezes será o Mickey devolvido a sucessivas ‘impressões’. Depois de ser devidamente incinerado, claro. Isto até um bug produzir um outro, a versão número 18, mais agressivo e que com ele viverá uma boa parte do filme. Mas mais para criar todas as situações em redor desse efeito de réplica, do que propriamente para conferir um significado especial a esta grande produção da Warner orçada em 150 milhões.

Pena é que semelhante dispositivo esteja apenas disponível para este sacrificado, e não a um número alargado de indivíduos, de modo a almejar um futuro interminável para a humanidade. Não é esse o propósito do filme. A ideia que fica vincada é a de expansão, como num western de ficção científica. Não de John Ford, claro. E lá estão até as criaturas fofas, tão próximas de Okja, ainda que se pareçam também um misto de búfalos na pradaria e uma variante de escaravelho fofo para a cena final de ataque a essas criaturas expulsando-as da sua terra. Do seu planeta.

Claro que o filme é visualmente exuberante, mesmo que não nos ofereça nada de novo. Aliás, não se esperava nada menos de Joon-Ho. O problema é que o filme não devolve todo esse investimento em ideias, ficando entalado nessa reciclagem de um pobre Mickey engasgado entre sucessivas vidas. E sem conseguir responder à magna pergunta que todos lhe fazem: então e como é morrer?

O que fazer desta vontade de clonar ou reciclar personagens e figuras no ecrã, mesmo com um dedo tímido apontado à voracidade do capitalismo? A solução mais compensadora será (porque não?) voltar a Ford. E ao destino marcado de um esquadrão de fuzileiros no pacífico, a bordo de lanchas rápidas, na ressaca imediato ao ataque a Pearl Harbour.

RELATED ARTICLES

Mais populares