Insider

‘Blue Moon’: Um gajo entra num bar…

Um gajo entra num bar. Não dois, não três. Ele é Lorenz Hart, uma sumidade da Broadway, e a parte mais poética da dupla Rodgers e Hart, responsáveis por temas de sucesso como Lady is a Tramp, My Funny Valentine, Bewitched, Bothered and Bewildered ou ainda, claro, Blue Moon. Aparentemente, não o tema preferido do seu autor.

Sim, “Blue Moon”, o filme de Richard Linklater, exibido na seleção competitiva da Berlinale, capta esse momento central na vida de Hart. E esse momento tem uma data – o dia 31 de março de 1943, a noite de estreia de Oklahoma!, um musical com um tema rural, em plena guerra mundial, que considerava menor qualidade – sem o humor, o amor e a ousadia que tanto apreciava. Essa uma noite de desatino e azia para Lorenz, após assistir à estreia do musical que não quis fazer com o compositor Richard Rodgers (Andrew Scott). Este, muito mais interessado num trabalho constante, sem as suas constantes recaídas, acabaria por iniciar com esse show uma nova dupla com Oscar Hammerstein, com quem alcançaria diversos sucessos durante os anos 40 e 50, incluindo, por exemplo, o musical da Broadway The Sound of Music (e que teve a adaptação ao cinema, em 1965, por Robert Wise, com o sucesso que todos conhecemos).

O filme é então esse momento. Em que Lorenz entra no bar Sardi’s, na verdade um restaurante na ‘Theatre District’, em Manhattan, um ponto quente da nata da Broadway e de todas as celebridades e aspirantes a estrelas. O ponto ideal para se auto comiserar com os seus próprios infortúnios. Algo que irá partilhar em conversas com o barman (Bobby Cannavalle), o pianista e o jornalista escritor de livros infantis E.B. White (Patrick Kennedy). Mas também com Rodgers, onde se sente a semente da ruptura. Como o próprio dizia, dando azo às palavras sacramentais do casamento, “para o melhor e para o pior”, assumindo que estaria agora a viver “o pior”.

Isto apesar de assumir as suas tendências homossexuais, precisando que não haveria algo mais belo que um pénis a meia ereção – pois a um membro teso comparava ele um ‘ponto de exclamação’! Por outro lado, Lorenz sofria também com a impossibilidade do amor, desde logo, o amor assolapado por Elizabeth Weiland (Margaret Qualley) – o seu “cigarette heart”, como dizia – embora o amor que retornasse fosse sob a forma de respeito e admiração.

Talvez faça sentido puxar para “Blue Moon” o paralelismo entre a importância dividida entre as canções de Hart e a música de Rodgers. Desde logo, o peso que tem aqui a vibração do guião assinado por Robert Kaplow, assente nas frases do letrista, e que lhe dão toda a espessura. O autor de “Me and Orson Welles”realizado por Linklater em 2008, entrelaça com justeza essa tapeçaria. Talvez até de uma forma que o próprio Linklater não consegue devolver numa realização demasiado apertada no espaço e que, necessariamente, se tem de vergar ao texto. E à interpretação de Ethan Hawke, embora, diga-se, a sua força esteja mais no texto, sendo Ethan o seu fiel intérprete.

A Linklater cabe então o papel da ‘composição visual’ e da mise-en-scène, já se disse, limitada ao espaço do bar. Há ainda um aspeto, mais risível, pelo trabalho que Linklater teve de fazer para vergar Hawke à altura atarracada de Lorenz Hart. O que nem sempre funciona.

Ok, claramente, este não é um filme onde os homens se medem pela altura, mas pela sua verve, ou não fosse este um filme cheio de quotes que farão as delícias dos cinéfilos. E haverá melhor filme de belos momentos escritos que “Casablanca”? (curiosamente, apresentado ainda este mês no ciclo Michael Curtiz, na Cinemateca Portuguesa). E qual a melhor frase? “A precedent is being broken/Está a quebrar-se um precedente” proferido com tanta ironia por Claude Rains, embora acrescentando a concorrência do momento em que Bogart se queixa com azedume “no one ever loved me that much”.

Seja como for, talvez o maior quote do filme fique mesmo guardado para o final, já à saída do bar, quando alguém pede ‘mais uma música para o caminho’, ao que o pianista devolve o tom de blue moon, you saw me standing alone, without a dream in my heart, without a love of my own.

The end.

Exit mobile version