Depois da estreia mundial do Festival de Veneza, Monica Bellucci levou a San Sebastian “On the Mily Road”, de Emir Kusturica, um filme que diz ser mais “sobre a esperança do que sobre a guerra”. Agora chega a vez de aterrar em Lisboa e participar no Lisbon & Estoril Film Festival, onde foi convidada para apresentar um filme “Maléna”, o filme de Giuseppe Tornatore, onde assumiu o protagonismo como uma das mais sensacionais atrizes italianas da atualidade.
Seguramente, esta passagem por Lisboa será também uma oportunidade para dar alguns retoques decorativos na casa que comprou em Lisboa. Como nos tem vindo a habituar, Monica Bellucci mantém intacta a feminilidade, mesmo sem problemas de assumir a sua idade e a forma aberta de encarar a sua profissão e, claro, a família, em particular as suas duas filhas, Deva e Léoni Cassel, fruto da sua ligação com Vincent Cassel, apesar de o casal viver separado.
Este é um filme típico de amor em tempo de guerra. De qualquer forma, é interessante reparar que se trata de um romance entre um casal de idade adulta. Como se revê nesse papel?
É algo que me toca, naturalmente. Sobretudo porque é também nesses momentos de conflito que temos de pensar na beleza do ser humano e na esperança que nos proporciona. Até porque temos também de acreditar na beleza e no amor. Nesse sentido, Emir Kusturica fez um filme em que a violência tem um ponto de vista artístico e um sonho muito poético sobre o mundo.
De resto é a sua personagem que diz que “A beleza é como uma condenação”. Enquanto atriz, aceita isso?
Não acho que a beleza seja uma condenação. Penso que a beleza é algo que vem do céu; tal como a saúde. Mas, no caso desta mulher, a beleza trouxe-lhe apenas problemas. Como sempre, o Emir Kusturica cria personagens muito fortes com elementos muito femininos. Ela é muito maternal e ao mesmo tempo bastante protetora dos seus; nesse sentido é muito forte, embora também muito frágil, quase como uma menina.
O aspeto feminino é um lado que está sempre presente nos seus filmes. Monica é daquelas atrizes que não tem receio de correr riscos ou aceitar desafios. Qual foi, para si o maior risco ou recompensa de participar neste filme?
Como costumo dizer, o Emir Kusturica é um artista particular. Não é apenas o realizador, ele é também um ator, um músico, um homem de negócios, é autor dos seus filmes. É tantas coisas. Com ele temos de estar preparados para mudar tudo numa questão de segundos. Com ele, estamos sempre no máximo da nossa inspiração. Enquanto atriz é precisamente esse tipo de desafios que procuro. É a possibilidade de trabalhar com artistas que procuram algo. Por isso, quando começamos um filme, iniciamos também uma autêntica aventura. Uma aventura que nos pode modificar enquanto pessoas e não apenas como artistas. Talvez por isso goste de trabalhar com pessoas com motivações tão diferentes, com experiências, línguas e culturas diversas.
Depois de aprender farsi para o filme “A Temporada do Rinoceronte” (2012), teve agora de falar em sérvio. Foi difícil aprender línguas como parte da composição da personagem?
Para mim, as palavras fazem parte do filme. Talvez não sejam suficientes para exprimir os sentimentos. No cinema o mais importante ser a imagem e a forma como nos exprimimos com os nossos movimentos e olhar, e as palavras acabam por ser apenas uma parte desse todo. Claro que para este filme tive de aprender sérvio, com a ajuda de um professor. É claro que no início foi um pouco complicado, mas foi o próprio Kusturica que me descansou dizendo que o meu sérvio era bastante razoável.
Numa altura em que já ultrapassou os 50 anos, sente que a idade se torna um trauma, um tabu? Ou acha apenas que a idade é apenas experiência acrescentada?
Sim, acabo de fazer 52 anos (30 de setembro). Nesse sentido, encaro este filme como uma dádiva para mim. Desde logo, porque foi escrito de forma a dar esperança para as atrizes que já não são novas. É uma história de amor mágica entre dois adultos que já não têm nada a perder. Apesar de terem passado por momento horríveis, ainda assim há coisas mágicas que acontecem quando se conhecem. Por isso, o amor é uma questão de se sensualidade e não de idade. Acho que é essa a mensagem.
Não sente, portanto, dificuldade em encontrar projetos que a motivem…
Para mim, é uma questão de desejo e instinto. É assim que escolho os meus projectos. Acabei uma série de televisão com o Gael Garcia Bernal, “Mozart in the Jungle”. O meu papel é uma cantora de ópera um pouco louca. É precisamente isso o que procuro: projectos diferentes e que me tragam com algum desafio. Sejam eles dos Estados Unidos, Inglaterra, Sérvia, Índia ou o Irão. O que gosto na arte, e também na música, é que não existem limites. Tal como na linguagem. É tudo uma questão de experiência e sentimentos. É assim que deve ser encarada a arte.
Até que ponto, nesta fase da sua vida, sente que pode apreciar a arte como também a família? Tem tempo para partilhar a sua vida com as suas filhas? Até que ponto isso a preenche também?
As minhas filhas sabem que sou atriz, mas isso não é muito importante. Para elas eu sou a Mãe e isto é o que faço. Claro que a minha paixão são mesmo as minhas filhas. Nesse sentido quero passar o maior tempo possível com elas. É claro que quando forem mais velhas serão mais independentes, mas por enquanto uma tem 12 e outra apenas seis anos. É muito importante que passe tempo com elas. Às vezes estou a trabalhar, mas frequentemente sou uma mulher absolutamente normal. Levo-as e vou buscá-las à escola e fico com elas. Na verdade, passo bastante tempo a ser mãe.
Já agora, é verdade que comprou uma casa em Lisboa?
Sim é verdade. Lisboa é uma cidade que adoro.
Será uma casa para viver ou apenas para passar férias?
Por agora é apenas uma casa de férias. Veremos no futuro, se irei lá viver de forma permanente ou não. Para já, vai ser bom passar ali parte das minhas férias. Portugal é um país muito bonito. Mas continuo a viver em Paris.
E verdade também que as suas filhas poderiam ir estudar para lá?
Não, não. Para já isso não está nos meus planos.
No seu entender, que tipo de valores deseja para a educação das suas filhas?
Tento incutir-lhes uma forma correta de aproveitar a vida. Isto porque quando eu tinha 20 anos se alguém me perguntasse onde estaria com 40 acho que teria dito que estaria morta. Mas quatro anos depois nasceu a minha primeira filha. Para mim, a vida tem sido uma improvisação constante. Nunca sabia o que iria acontecer. Hoje, estou mais segura, claro. Mesmo sem saber o futuro, acredito na energia. Quando a beleza da juventude termina, inicia-se também outro tipo de beleza, talvez até mais interessante. E todo o trabalho interior que fazemos é, afinal de contas, mais valioso que a beleza física.
Ao longo da sua carreira, a Monica tem sido encarada como um objeto de desejo. Por diversas revistas, pela sua proximidade com a moda, bem como o cinema. De que forma se relaciona com isso e de que forma se tenta refugiar e explorar uma outra vertente da Monica Bellucci.
É claro que quando tenho um filme para estrear, tal como tantas outras atrizes, apareço em capas de revista e em fotografias. Por outro lado, também venho do mundo da moda. Mas consigo misturar as alturas em que estou bastante exposta, com outros momentos em que estou na sombra. Ainda assim, acho que preciso de ambas as vertentes.
Quando pensamos no cinema italiano, pensamos também nas grandes divas, a qual pertence. Nesse sentido em qual delas se revê mais?
Não sei, o que posso dizer, mas eu sinto-me como uma atriz italiana. De resto, é esse o único passaporte que tenho. Talvez por isso sinta que todas essas atrizes extraordinárias me inspiraram. É um lado feminino que me toca de uma forma bastante íntima. E há coisas que faço porque essas mulheres me fizeram sonhar a mim. Mas é também algo inconsciente. É algo muito italiano.
Tem novos projetos neste momento ou goza um tempo de pausa?
Estou a preparar um projecto muito interessante, entre a Itália e o México. Mas é algo que não posso ainda divulgar. É claro que este projeto com o Emir foi muito longo, por isso acho quer também chegou o momento de estar mais com as minhas filhas.