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Sonhos Cor-de-Rosa: o vazio da orfandade

Em Sonhos Cor-de-Rosa, Bellocchio filma o amor maternal, mas também a dureza do luto e o vazio que fica. Um filme que, com algum jogo de cintura, consegue fugir do melodrama.

Fai Bei Sogni são as últimas palavras que a mãe diz ao filho antes de morrer. São também o título do mais recente filme do realizador italiano Marco Bellocchio, que com 77 anos recebeu uma ovação e 10 minutos de aplausos em Cannes, aquando da estreia na última Quinzena dos Realizadores.

Em Portugal abriu a 10ª edição da Festa do Cinema Italiano e está agora nos cinemas, sob o título Sonhos Cor-de-Rosa, um paradoxo já que o que não faltam são fantasmas a perseguir Massimo (Valerio Mastandrea), um jornalista incapaz de ultrapassar a morte da mãe. Traumatizado desde criança, torna-se um adulto profundamente apático e infeliz, com ataques de pânico cada vez mais frequentes. Salva-o o futebol e o amor de Elise, encarnada pela fantástica Bérénice Bejo – O Artista (2011), O Passado (2013), neste pequeno mas simbólico papel.

Sem preocupações cronológicas, Bellocchio faz-nos saltar no tempo a seu belo prazer neste filme biográfico que, não conseguindo fugir a alguns clichés, com momentos que nos sentimos quase forçados a lacrimejar, tem a destreza necessária para manter o tom fora do sentimentalismo fácil.

Com recurso a flashbacks, mergulhamos em diferentes fases da vida do protagonista. Massimo bambino é representado pelo jovem Nicolò Cabras e que deleite é vê-lo no ecrã. Com a dose certa de sinceridade e inocência, tem aqui uma interpretação que deixa antever um futuro brilhante. A emoção que carregam os seus grandes e ternurentos olhos lembram a performance da então pequena Bailee Madison em Entre Irmãos (2009), de Jim Sheridan.

Mas ainda que o filme seja biográfico e à primeira vista até íntimo, isso não impede Bellocchio de mostrar a sua visão social. A relação com o pai, por exemplo, é uma relação distante, pobre em afetos, que se desenvolve com a ligação ao futebol. Algo muito italiano e, quiçá, português também.

A disparidade entre a ligação emocional a cada um dos progenitores é, aliás, mais uma confirmação desta longa-metragem enquanto ode ao amor materno.

Massimo, agora a tua mãe é o teu anjo da guarda. Vamos orar por ela, juntos?”, pede o padre, com o pai ao fundo incapaz de contar ao próprio filho a tragédia.

Contudo o pequeno recusa aceitar que a mãe, a pessoa que mais ama neste mundo, morreu sem se despedir dele. Porque aquela mulher com quem dança um twist nos primeiros frames de Sonhos Cor-De-Rosa não seria capaz de se ir embora sem dizer adeus.

O argumento, a partir do best-seller italiano de Massimo Gramellini, ganha outro fulgor graças à belíssima banda sonora de Carlo Crivelli – Vencer (2009), Dormant Beauty (2012) – com quem Bellocchio trabalha com frequência.

Em última instância, Sonhos Cor-de-Rosa pode parecer até um título irónico para  um retrato do vazio da orfandade, do luto, dos fantasmas que nos perseguem. Mas também é um filme sobre o amor – e onde cabe o cor-de-rosa senão no amor? –,  que levanta perguntas e nos manda procurar respostas.

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