Quinta-feira, Dezembro 5, 2024
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Competição Nacional – Seis grandes Longas!

Os novos caminhos da narrativa lusa

 

O novo cinema lusitano está aí para ser desfrutado, na meia dúzia de propostas que integram a Competição Oficial. Sendo que Amor, Amor, de Jorge Cramez, representa também a presença lusa na competição internacional.

E o que dizer deste belo filão de propostas? Correndo o risco de sermos parciais, afirmamos a consistência, diversidade e integridade de um lote de narrativas que exploram campos bem diversos da ficção, ou de uma certa dança com o documento.

Há um lado de reflexão profunda que aflige esta colecta de longas a concurso nacional. Não que mal algum venha daí ao mundo, muito pelo contrário. Seja por amor – no caso a dúvida e a hesitação em Amor, Amor – ou por morte – o que sabemos que fica por dizer em Coração Negro -, presente-se esse peso estranho nos ombros das personagens.

Algo que acompanha a estrada e a intenção de sublimação corpórea de Paulo Furtado em Fade Into Nothing, ou até um prenúncio de morte que inevitavelmente chega a Encontro Silencioso. E o que dizer dessa recordação para memória futura de alguns dos males auto infligidos ao nosso planeta, na arrebatadora reflexão multimédia de Dia 32? De alguma forma complementada pela memória traumática avivada em Luz Obscura.

Seja coincidência ou vontade de criar uma unidade orgânica, este é o convite para mergulharmos no interior da alma e aí colher uma melhor compreensão do mundo. Afinal de contas, um gesto tão português, tão próximo do nosso cinema.

Em Amor Amor percebemos que Jorge Cramez regressa ao lugar de onde nunca saiu, ou seja, o amor quase clássico, aliado a uma profunda paixão pelo cinema. Precisamente uma década depois da sua estreia no longo formato, com O Capacete Dourado.

Ai amor, amor… Quem foi que disse que não se brinca com o amor? É que amor com amor se paga. E aqui Cramez remete-nos para um torvelinho de paixões, que quase nos poderia fazer pensar que se tratava do guião de uma telenovela. Mas não, é apenas muito cinema.  Seguramente, não por incluir a presença de Margarida Vila-Nova e Joana de Verona, atrizes que têm sabido conciliar o trabalho no pequeno e grande ecrã, bem como o regresso de Ana Moreira.

Ainda assim, este filme não poderia ser mais anti novela. Elas que representam a maturidade feminina diante dos homens confusos (Jaime Freitas, Eduardo Frazão, ambos regressados de Capacete Dourado) quase como personagens emprestadas aos filmes de Howard Hawks, onde esse peso do sexo fraco quase sempre domina. “O que interessa é não os deixar perceber a importância que têm para nós”, reflete a certa altura Vila Nova, a referir-se aos machos desorientados. Um brilhante filme que começa no Indie uma carreia (também internacional).

Coração Negro, Rosa Coutinho Cabral

Coração Negro vai bem mais fundo. Sobretudo por abandonar os corpos quando já não têm vida depois de uma suposta perda irreparável. Numa sequência marcante, Margarida Galhardo e João Cabral assumem a dor do casal deitado na areia negra da ilha do Pico, e atiram à vez palavras de abandono e dor: “ruina… morte… vazio… nada”. Rosa Coutinho Cabral avança assim este filme doloroso, sobre o indizível, sobre tudo aquilo que continua quando as pessoas já se converteram, elas próprias, em cadáveres. A vida é como a ilha vulcânica. É só cinza, mas continua bonita. Há também filmes assim. Irreparáveis e belos.

Miguel Clara Vasconcelos, um habitué do Indie, regressa com Encontro Silencioso, a sua primeira longa, numa aproximação ao universo da praxe académica, aos seus usos e abusos. É claro que neste retrato de praxe aos doutores, supostamente para atingir uma elevação superior, todos temos em mente algo que o filme insiste dizer nos créditos que foi “mera coincidência”. Não deixa de ser arrepiante, ainda assim, perceber a lógica dos códigos que se formam nas linhagens de poder académico.

https://vimeo.com/212583778

Num registo narrativo em que a ficção se vai esfarelando cada vez mais, seguimos a rota de Paulo Furtado, em Fade Into Nothing, ao longo do deserto americano seguindo um programa de falso diário de fusão com a natureza e com a areia do deserto. O meu nome não interessa, começa por escutar-se. Esta foi a forma de criar uma performance on the road, juntando a personagem recriada por Paulo Furtado/Legendary Tigerman, a fotógrafa Rita Lino e a câmara do realizador Pedro Maia num percurso que se torna gradualmente alucinante e alucinado.

Uma mesa de montagem recebe-nos em Dia 32, o valioso projeto do documentarista André Valentim Almeida, que supera o género ao ligar filmes e jogos de palavras num texto muito bonito, lido por Rui Oliveira, com contribuições de notáveis como Proust, Hitchcock, Marker ou Sagan. Excertos de tantos outros filmes e imagens captadas com a sua GoPro usada como frontal, como se um atleta se tratasse, criam um espólio a guardar numa arca primordial, em jeito de diário, também falso, que suceda a um certo Fim do Mundo.

Com esta câmara subjectiva – como se estivéssemos na cabeça dele -, André percorreu quilómetros pelos EUA, devastados por catástrofes naturais e provocadas. Ao mesmo tempo que manipula, e acaricia, as imagens, sugerindo uma observação que sugere uma nova leitura da realidade. Assim passa pelo 11/9, com pessoas que caem do céu ou o fulano que no início do século XX achou que podia sair a voar do topo da Torre Eiffel. Momentos únicos. Como o golo mítico do Éder, no Europeu, e o piscar de asas da traça na cara do Ronaldo.

Pelo meio, uma leitura da História do Cinema, afinal de contas algo que A.V.A. já havia feito em outros projetos apoiados pela montagem (New York is a Big Apple). Aqui deixa uma lista das nossas loucuras, boas ou más. Para memória futura. Tudo acabará às arrecuas, numa sequência sublime, como que a dizer: “Ó tempo volta para trás!”.

Por fim, em Luz Obscura, Susana Sousa Dias produz mais um documento chave para compreender o passado. No caso, a família de Octávio Pato e como viveu separada em virtude do pai ter sido um preso político. O registo parte do arquivo de fotografias de prisioneiros políticos da ditadura portuguesa, um pouco coo fizera em 48, devolvendo dignidade e espessura aos que já cá não estão.

Competição Nacional

Amor, Amor Jorge Cramez, Portugal, c., 2017, 107′

Coração Negro
Rosa Coutinho Cabral, Portugal, c., 2017, 105′

Dia 32
Andre Valentim Almeida, Portugal, doc., 2017, 90′

Encontro Silencioso Miguel Clara Vasconcelos, Portugal, c., 2017, 83′

Fade into Nothing Pedro Maia, Portugal, c., 2017, 70′

Luz Obscura
Susana de Sousa Dias, Portugal, doc., 2017, 75′

 

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