Sábado, Outubro 5, 2024
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London Town: quando o punk se fica pelas meias-tintas

London Town passa ao lado do que poderia ser um filme decente sobre o punk e fica-se pelo estereotipo da historinha banal coming of age que nem ficaria deslocada no Disney Chanel. É pena. Sobretudo num ano em que se celebram os 40 anos de um dos géneros musicais mais marcantes de sempre. Quando percebemos que se iria fazer um filme sobre o guião Untitled Joe Stummer Project houve esperança. Agora desvanecida.

Vá-se lá perceber por que carga de água se entrega um projeto a uma argumentista americana desconhecida (Sonya Gilda) autora de três curtas metragens, entretanto realizado por um alemão (Derrick Borte), igualmente anónimo, cujo cartão de visita é o esquecível drama Uma Família Com Etiqueta. Uma pena, até porque a presença de Jonathan Rhys Meyers chega a ser eletrizante na composição epiléptica de Joe Strummer, o frontman da tal banda que apanhou o punk de surpresa por cantar musicas com alma, sobretudo contra a política de desemprego da Sra. Thatcher. O mesmo que soube afastar-se dos skins e até de criar uma delirante fusão com o reggae. Joe Strummer e a sua banda por cá passaram em 1981, a promover o álbum triplo Sandinista num concerto histórico que tivemos oportunidade de ver no Dramático de Cascais. Strummer que morreria em 2002 com problemas cardíacos.

Ora é precisamente a alma que falta a este London Town, mais calhado em acompanhar o romance pueril de Shay (Daniel Huttlestone), um  jovem de 15 anos, alvo de bulying na escola e com pressa de viver, sobretudo depois de escutar aquela sonoridade vibrante numa cassete áudio endereçada à sua mãe hippie que vivia em Londres. Essa linha de descoberta até poderia ter sido bem aproveitada se o projeto não cedesse ao tal caderno de encargos e trivialidades do boy meets girl, no caso à jovem urbana Vivian (Nell Williams) que Shay conhece a bordo de um comboio para Londres, visivelmente impressionado pelo look feroz desta donzela de coleira ao pescoço, eyeliner e walkman nas orelhas a debitar o tal som ensurdecedor.

Daniel Huttlestone e Nell WIlliams

Valha-nos a música que acaba por ser personagem. Se bem que mesmo por aqui o filme acabe por também não acertar por completo e fique a saber a pouco. Sobretudo quando a personagem de Strummer passa a ser amiguinha de Shay, depois de se conhecerem numa insólita viagem de taxi e de se encontrarem depois numa cela de cadeia depois de ambos serem presos durante tumultos. Só que neste momento já percebemos que o filme há muito vendeu a alma ao diabo. Ainda assim, ouvimos com agrado vários temas dos Clash, bem como de outras bandas da época, como os Stranglers, Psychadelic Furs ou Buzzcocks.

London Town sofre de um problema de raíz que os produtores claramente não quiseram (ou não souberam) resolver. É que se sentiram encalhados e hesitantes em dirigir o filme a potenciais cinquentões, muitos deles engravatados, os tais que escutaram os Clash nesse final de década dos 70 e que compraram discos usados em Camden Town. A alternativa foi então optar pela fórmula dos clichés visuais, românticos, sonoros e gráficos. A tal das meias tintas.

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