Quarta-feira, Outubro 16, 2024
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Veneza 74: O canto dos prémios alternativos

Quando um festival chega ao fim e são anunciados os prémios, essa informação como que se cristaliza e apaga, por vezes, alguns dos melhores momentos que não chegam a ser mencionados. Por essa razão, autoproclamamo-nos jurados de ocasião, antecipando a premiação de logo mais, como forma a relatar o que de melhor vimos nesta dezena de dias intensos a ver cinema e a dormir pouco. Eis então os nossos prémios! Prémios que não pretendem rimar com os verdadeiros, mas apenas como uma versão hipotética das nossas preferências.

Paulo Portugal, em Veneza

À boca da urna, atentemos no veredicto dos críticos italianos e internacionais, onde se inclui, por exemplo, o portuga~es Jorge Leitão Ramos, do Expresso. Mas este palmares é o “nosso”!

Comecemos então por aquele a quem nos daria o maior prazer em atribuir o Leão de Ouro. Mektoub: My Love: Canto Uno, o longo e emocionalmente intenso filme de Abdellatif Kechiche foi aquele que nos tocou mais forte e mais fundo, acabando por relativizar as três horas de duração. Durante esse tempo acompanhamos um grupo de jovens elegantes e bonitos em férias do verão, uma celebração dionísia da liberdade e o sol deixando que as suas hormonas se libertem. O mote é talvez a definição imprecisa do amor, em árabe, embora dominado pelo conceito de destino (mektoub). O que temos é um festim de sensualidade (sim, o sexo está bem presente), sedução e festa, observado por um jovem mais pacato, e também mais belo, que decidiu escrever um guião para cinema em vez de seguir o seu curso de medicina. O contraponto apolónio? Sabe-se agora que esta será apenas a primeira parte de um conjunto de três Cantos. Uma história para concluir talvez lá para Berlim e Cannes do ano que vem.

Ethan Hawke, em First Reformed

Prosseguindo para o Grande Prémio do Júri, uma espécie de segundo lugar, saudar o regresso muito inspirado de Paul Schrader, com o surpreendente e intenso First Reformed, a aflorar os pecados da Humanidade, nomeadamente no que diz respeito ao universo. Ethan Hawke (que será o nosso melhor ator) no papel de sacerdote com problemas emocionais, acabará por passar a sua via sacra e mesmo vestir um colete de com explosivos como se fosse um jiadista.

The Shape of Water

Ao mexicano Guillermo Del Toro ficará muito bem o prémio de melhor realização, por The Shape of Water, na sua revisitação do filmes de monstros em versão série B, com uma natural homenagem ao cinema clássico. Sim, uma espécie de O Monstro da Lagoa Negra, aquele mesmo que há muitos anos motivou uma experiência de 3D doméstico e provocou uma corrida aos óculos 3D nas papelarias. Agora com um look muito estilizado e, sobretudo, focado em relatar o sentimento da atualidade política que se passa hoje em dia (sim, nomeadamente nos EUA).

Frances McDormand, Three Billboards Outside Ebbing Missouri

Já a atriz que mais nos encantou foi mesmo Frances McDormand, no alucinado e delirante policial em versão comédia muito negra Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, armada em bitch from hell a enfrentar olhos nos olhos uma comunidade machista e racista, disparando o guião frenético de Martin McDonagh (também ele candidato ao melhor argumento) e todas as direções arrancando frequentes aplausos durante a sessão. Os principais visados são os agentes da lei Woody Harrelson e Sam Rockwell cujas orelhas teriam ficado a ardem de tanta difamação. O primeiro até com a mais delirante carta póstuma. Sim, Ethan Hawke arrebata a interpretação masculina, em First Reformed, talvez num no papel em que mais sai da sua persona e assume uma composição em que parte de nos todos acabamos por estar incluídos, como o padre que reflete os desígnios dos homens. E de Deus até. Uma variante redentora de Travis Bickle também criado por Schrader? A proximidade não lhe fica mal. Por isso, se questiona: “será que Deus nos irá perdoar?”

Foxtrot, Samuel Maoz

Uma das narrativas mais tocantes foi a do filme israelita Foxtrot, de Samuel Maoz, vencedor do Leão de Ouro, em 2008, por Líbano, em que via a guerra no interior de um tanque. Pois agora, poderemos até encarar a família como uma pequena unidade militar, a partir do momento em que tudo se desmorona quando militares tocam à porta para anunciar que o seu filho havia morrido em missão militar. O trauma que se segue, os procedimentos e a leitura surreal após primeiro impacto espelham essa escolha.

Jusqu’à La Garde, do estreante Xavier Legrand

Por fim, o Prémio Especial do Júri, talvez como premio de mérito, vai direitinho para Jusqu’à La Garde, do estreante Xavier Legrand, ao encenar uma família desfeita pela separação e a luta pela custódia do filho, apresentado no último dia do festival, como que a surpreender-nos com um drama familiar que evolui até aos limites do horror. O que começa em tom quase documental, durante uma audição judicial acaba a fazer-nos recordar os momentos mais intensos de Shinning, de Kubrick.

Jennifer Lawrence is the Mother!

Só uma chamadinha para a deceção do Festival: o vencedor é mesmo Mother!, de Darren Aronosky (e que estreia já em Portugal no próximo dia 21) e o seu horror descontrolado e desconexo. Mas como foi um filme que motivou também as mais entusiásticas opiniões de parte da crítica tão dividida, acaba por ser aquele filme que ganha dos dois lados, já que ninguém quererá ficar sem opinião.

EX LIBRIS – The New York Public Library

Há ainda o palmarés FIPRESCI, da crítica internacional, no qual contribuímos, com a atribuição do prémio da seleção Oficial para EX LIBRIS – The New York Public Library, de Frederik Wiseman, e ainda Los Versos Del Olvido, de Alireza Khatami. Estes sim, já oficiais.

 

Palmarés fictício

VENEZA 74
Leão de Ouro:
Mektoub: My Love: Canto Uno, Addellatif Kechiche

Grande Prémio do Júri:
First Reformed, Paul Schrader

Leão de Prata, Melhor Realizador:
Guillermo Del Toro, The Shape of Water

Taça Volpi, Melhor Atriz:
Frances McDormand, Three Billboards Outside Ebbibg, Missouri

Taça Volpi, Melhor Actor:
Ethah Hawke, First Reformed

Melhor Guião:
Samuel Maoz, Foxtrot

Prémio Especial do Júri:
Jusqu’à La Grande, Xavier Legrand

 

 

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