‘Hotel Império’ está praticamente concluído e poderá participar nos próximos festivais internacionais – Berlim é ainda uma hipótese. Entretanto, Ivo M. Ferreira esteve em Macau, no IFFAM Project Market, a divulgar ‘Projeto Global’, sobre as FP-25, ainda em fase de pesquisa.
Encontramo-nos com o cineasta Ivo M. Ferreira em Macau, durante a 2ª edição do Festival Internacional de Macau & Cerimónia de Entrega de Prémios. Um local que não lhe é estranho, já que mantém, desde 1994, um longo contacto com esta antiga província portuguesa, de resto uma geografia e cultura igualmente ligadas à evolução do seu cinema.
Hotel Império, o projeto que sucede a Cartas da Guerra, de pouco mais de um milhão de euros, com o apoio do ICA e uma parte de compra da RTP – bem como ainda um financiador chinês e um libanês e um suíço – foi integralmente rodado em Macau, com uma equipa heterogénea que combinou técnicos e atores portugueses com outros macaenses, de Hong Kong.
O realizador assegura-nos, pouco instantes do início da cerimónia de encerramento do IFFAM, que falta apenas a correção de cor, finalizar a montagem e a mistura de som. Quem sabe, talvez vá ainda a tempo de integrar alguma das secções do festival de Berlim. Pode ser uma hipótese, antecipa. Se não for muito tarde e se eles gostarem.
Apesar da produção ser portuguesa, a cargo do Som e a Fúria, de Luís Urbano, inclui ainda elementos da produtora local Inner Harbour, fundada por realizadores, facilitadora dos aspetos locais, conforme nos confidenciou Ivo Ferreira. A rodagem teve o apoio de uma equipa portuguesa, bem como de Macau, Hong Kong e Taiwan. Foi curioso trabalhar com pessoas que têm métodos de trabalho muito diferentes, referiu.
Há também Projeto Global, um filme em fase inicial de produção, sobre o lado interior de uma célula das FP-25, que Ivo Ferreira e Luís Urbano apresentaram no Project Market do IFFAM.
Hotel Império foi integralmente filmado aqui em Macau?
O filme foi totalmente filmado em Macau. É um filme que vai ter um sabor muito local, mas espero que seja mais do que isso. Acho que vai ser bom para quem não conhece muito bem, ver esta Macau que nós inventámos.
Como descreveria o projeto?
É uma história em pedaços de coisas que fui vivendo, que fui pensando, ao longo destes vinte e três anos de Macau, pois cheguei cá pela primeira vez em 1994.
De certa forma, poderemos dizer que tem alguma ligação com Cartas da Guerra?
Nesse aspeto sim. É um filme sobre o fim do império, mas também de alguma forma uma espécie de adeus definitivo a um Macau antigo que mudou desde 1999, em termos administrativos, e rapidamente com a abertura do jogo. A sociedade tem sofrido mudanças muito importantes. A erosão da cidade é preocupante, mas mesmo assim não deixa de ser interessante.
É um filme que contempla esse passado, essa nostalgia?
Talvez, só que este é um local muito mais justo para viver do que antes. A comunidade portuguesa sofreu uma alteração engraçada nos últimos anos, com a crise acabou por chegar aqui muita gente nova, arquitetos, advogados, jornalistas. Tem refrescado um pouco esse lado da presença portuguesa.
Foi complicada a engenharia de produção?
Sim, é sempre complicado. Até porque o projeto é mesmo anterior a Cartas da Guerra. Escrevi este trabalho durante o tempo em que o cinema português esteve paralisado. Quando houve o ano zero do cinema foram congeladas as verbas todas, muitas delas já atribuídas e contratualizadas.
Poderemos dizer que já se trata de uma produção razoável?
Mas não dá para comparar. Não dá para comparar porque Macau é caríssimo. A logística é caríssima. Para teres uma ideia, a produção foi forçada a comprar três carrinhas para as vender no final da produção. É uma fortuna o aluguer de veículos. Um carro deve custar aqui cinco vezes mais do que em Portugal. Pelo menos, o aluguer custa cinco vezes mais. Depois, como aqui ao lado (Hong Kong) há uma indústria de cinema muito forte, com orçamentos muito, muito maiores, é muito difícil trabalhar com pouco dinheiro. Por outro lado, temos a parte portuguesa, com o preço das viagens, estadias e ‘per diems’. De forma que esse milhão e pouco não significa muito.
Como descreverias a narrativa deste Hotel Império?
Gira à volta deste Hotel Império, um hotel inventado. O décor existe, é um hotel muito antigo, na baixa de Macau, mas foi modificado para o filme, com uma decoração portuguesa, e onde vivem pessoas, em quartos alugados, embora muitos vivam há várias décadas.
Personagens portuguesas?
Há duas personagens principais, a Maria e um rapaz que é o Chu. E há o pai, mais velho, que se recusa a sair do hotel, apesar de estar já bastante decadente e com problemas financeiros. A miúda canta também um fado no hotel. Ele não quer enfrentar o que é evidente, que não há saída. Fala-se um pouco da inevitabilidade das coisas terem um ciclo. Acabou a presença portuguesa aqui. O périplo desta rapariga é arranjar trabalho, coisas muito pouco ortodoxas, para sobreviver e tentar manter o hotel de pé. É um filme sobre as pessoas que habitam esta cidade, muitas delas que vêm de fora.
E quem são os atores portugueses?
O Cândido Ferreira, a Margarida Vila-Nova (a Maria), essa não veio de Portugal, pois vive cá. O Tiago Aldeia, temos uma estrela de Taiwan, que é o Rhydian Vaughan (o Chu), um jovem ator que vamos ouvir falar dele durante muitos anos. E temos atores de Hong Kong de várias idade. E tentámos filmar pessoas de cá.
O filme já tem distribuição internacional assegurada?
Primeiro quero acabar o filme e perceber se poderá passar em festivais. Os filmes são tão frágeis que se não passarem em festivais para terem uma rampa de lançamento, arriscam-se a ter uma existência muito débil. Mas o vendedor é a Match Factory, que é das empresas mais sexy do mercado neste tipo de cinema.
Falemos então de Projeto Global, que foi aqui apresentado. Em que fase está de produção?
É um projeto que estou a trabalhar há já algum tempo. É talvez o meu primeiro projeto. A primeira vez que pensei em cinema, em filmar – era ainda muito miúdo, uns dez, doze anos -, e ideia era lidar com este assunto.
Já existe guião?
Estamos numa fase de entrevistas e investigação para começar a escrever. E deste Agosto a fazer uma investigação histórica. O projeto é para ser escrito pelo Edgar Medina e por mim, como foi Cartas da Guerra. Neste momento estamos a escrever, candidatámos-nos ao desenvolvimento e ganhámos. O Luis Urbano, e a Som e a Fúria, está a trabalhar para financiar o próprio argumento que estará pronto faqui a uns meses. O processo é como o Cartas da Guerra, estou a levantar histórias, coloco-as na mesa e só depois é que começamos a trabalhar. Se bem que já temos 25 páginas escritas. Eu gosto que é para perceber que tom é que tem.
Tanto quanto percebi passa-se num período próximo da Revolução do 25 de Abril?
O Projeto Global no fundo é daquelas histórias que não vêm nos livros da escola, e que me fascinam. Interessa-me esse período pós Revolução e pós 25 de Novembro. Queria trabalhar muito esta época, porque nessa altura as pessoas estavam fartas de revoluções e contra revoluções e de 50 anos de fascismo. Há um grupo de pessoas que não estava contente com a situação e queria mudá-la, apesar de ser já fora do tempo.
É mesmo um filme sobre as FP-25 de Abril?
É um filme que se vai centrar numa nas células da Organização, não é um filme sobre as grandes cabeças de cartaz, que é o que as pessoas pensam. É mais sobre essas pessoas, e porque decidiram ter uma vida na clandestinidade. E também a própria investigação policial. Era uma altura em que as pessoas viviam com nomes falsos, com vidas falsas. Há também uma história de amor que se desenrola pelo meio.
Será uma produção internacional?
Sim, vai haver razões naturais para o filme ter participações fora de Portugal. Até porque há uma série de relações com outras organizações. É importante perceber que não era um bando de malucos, até porque existiam outros movimentos, como o IRA a ETA, as Brigadas Vermelhas, o RAF, ou Baader-Meinhof. É bom perceber que não estavam isolados. Mas às vezes faziam um recuo porque estavam mais perseguidos, e podiam fazer recuos para Espanha e Moçambique para a Argélia.