Frances McDormand é uma bitch from hell com língua de fogo que desafia um país de rednecks racistas e misóginos e a quem a nomeação para o Óscar assentará muito bem. O Globo de Ouro para ela e para Sam Rockwell foi mesmo inevitável, numa noite em que Hollywood saiu para rua de luto. Na verdade, o filme acaba por ser uma pedrada no charco da discussão. Com a vantagem de estarem de lado todos os valores politicamente corretos, já que aqui ninguém é santo.
Sam Rockwell acaba por ser a combinação ideal em mais um saloio descontrolado nesta comédia negríssima de Martin McDonnagh. O Globo de Ouro para este agente da polícia racista, menino da mamã e misógino era mesmo inevitável. Mas atenção ao impressionante cast de secundários, todos eles com espaço para, pelo menos, um bom momento.
Só não ficou convencido da potência desta história, talvez com o título mais discreto do ano, quem não se recorda do guião de Em Bruges, a estreia de McDonagh. Só que depressa se percebe que passa por aqui o guionismo mais espevitado do momento. Apesar de londrino, foi no sul dos Estados Unidos que Martin McDonagh encontrou o seu filão de personagens, algures entre o idiota, o chauvinista, o racista ou oura e simplesmente o imaturo. De resto, em Veneza a projeção foi interrompida com sucessivos rasgos de palmas, gritos de gargalhadas. Naturalmente, com uma tremenda ovação final.
A ideia ocorreu a Martin há cerca de duas décadas quando ao passear por uma estrada sulista viu dois ou três cartazes na estrada com uma mensagem pessoal. Algo que há cerca de quatro, cinco anos acabou por passar para o papel, inscrevendo também uma história de um crime macabro de violação de uma jovem enquanto morria em chamas sem a devida dedicação das pouco empenhadas forças policiais. Ao considerar a presença obrigatória de Sam Rockwell e de escrever o guião também a pensar em Frances McDormand as coisas tornam-se um pouco mais fáceis.
Talvez o grande mérito e eficácia do estilo McDonagh seja mesmo essa feliz combinação entre o humor viperino e uma ação sem limites, temperada por um fio dramático que se equilibra e acrescenta espessura a uma história completamente tresloucada, embora a alfinetar os diversos ismos que viciam certos seres do sul. Assim sucede nestes Três Cartazes, em que o equilíbrio de gargalhadas é concorrido com ousadia e virtuosismo. E, claro, impressionantes Frances McDormand, Sam Rockwell a celebrar o nível mais baixo do agente vicioso, bem como Woody Harrelson que terá a carta póstuma mais insólita que já vimos no cinema.
Sim, este país não é para meninos. Há mesmo cenas demasiado provocadoras, como aquela em que Frances dá um chuto na… passarita de uma mulher com quem tem um desaguisado. É claro que, aqui e ali, percebemos como Martin está tão convicto da força do seu guião. Como quando Harrelson, o xerife visado com a falta de empenho da polícia nos cartazes, tem um acesso do seu cancro e tosse sangue na cara de Frances. Diante as desculpas dele, a resposta é terna: eu sei que não foi de propósito, querido. É esse misto de fogo e fúria, ao lado de uma possibilidade de redenção que lhe dá a espessura que merece e tem.
(crítica publicada em setembro passado, durante o festival de Veneza. Agora com nova edição)