São momentos de pura beleza antes do confronto com a morte. E é Sintra que serve de plateau para abraçar uma derradeira reunião de família e sugerir a paz para questionar o rumo das suas vidas antes da sentença de Frankie. Expliquemo-nos. Frankie é o nome da protagonista, a francesa Isabelle Huppert que domina este projeto de enorme projeção nacional presente na montra competitiva do passado festival de Cannes.
O filme que foi fruto de um encontro entre Huppert e o realizador americano Ira Sachs é ainda servido por uma valiosa trupe de atores multinacionais, como o irlandês Brendan Gleeson, os americanos Marisa Tomei e Greg Kinnear, o belga Jérémie Renier e ainda o ‘tuga’ Carlotto Cota. A isto soma-se uma equipa técnica totalmente portuguesa (nesse sentido Frankie é mesmo um filme português, como nos confirmou o produtor nacional Luís Urbano), com particular destaque para a fotografia (espantosa) e Rui Poças e o som (magnífico) de Vasco Pimentel. Frankie veio de Cannes sem prémios, é certo, embora nos pareça que a sua principal distinção assente nesse belo jogo de representação (teatral mesmo) entre ator e personagem, a vida e a morte.
Talvez esta ideia da proximidade com a morte e do questionar a vida tenha surgido pelo desaparecimento de um ente querido do realizador, como nos revelou na entrevista que nos concedeu em Cannes, mas em que salientou também como nessa inevitabilidade existem algumas “coisas mundanas, algumas até mesmo divertidas, que nos levam a confirmar que a vida é muito mais forte que a morte.” Uma outra influência concorreu para o desenho de Frankie, na inspiração que Sachs colheu do filme de 1962 de Satyajit Ray, Kanchenjungha, sobre uma viagem de família, também ela durante um dia em que nada acontece. É assim, um filme sobre a família, mas deslocada, fora de casa,
Além dos inegáveis atributos artísticos de Frankie, é importante realçar que o filme ‘casou’ da melhor forma com a política de promoção do cinema português adoptada pelo ICA – tal como fora apresentada no festival de Berlim do ano passado pelo seu presidente Luís Chaby Vaz, naquilo que ficou conhecido como o ‘cash rebate’. Nesse sentido, foi mesmo o primeiro exemplo dessa política de atração de projetos ao solo nacional, como confirmou ao Insider o co-produtor português, Luís Urbano, que trabalhou em conjunto com o francês de origem tunisina Said Ben Sid (também do excelente Bacurau, de Kléber Mendonça Filho, infelizmente sem distribuição nacional, mas que poderá – e deverá! – ser visto no Porto, no Cinema Trindade, nas duas últimas semanas deste ano). Talvez devido esta conjuntura de promoção se compreenda (e perdoe) a concessão da produção em ‘vender’ alguns clichés de Sintra que para um público lusitano, ou para quem está habituado à beleza daquela região, podem parecer algo desnecessários.
Poderá dizer-se que Frankie verdadeiramente não acontece nada. Isto para além das conversas mundanas e familiares deste grupo de gente criativa, embora dominado pela presença matriarca de Frankie, que tanto pode deambular sobre questões existenciais como sobre a recordação de Star Wars. Foi este novelo narrativo que Sachs entreviu depois do encontro com Isabelle Huppert, há cinco anos atrás (depois de Love is Strange) coroado pela decisão de fazerem um projeto em conjunto. A isso liga-se a memória de Sachs de uma viagem de família a Lisboa e a Sintra.
Frankie é daqueles filmes que pede ao espetador a disponibilidade para se entregar a essa experiência de um certo desprendimento da representação, deixando que as próprias personagens desafiem e questionem os seus verdadeiros corpos. Tudo isto num jogo de representação envolto num empolgante cenário natural (quase irreal) da montanha que testemunha este emaranhado de conversas e silêncios privados que se combinam num tom que dança entre a comédia e a tragédia até ao final apoteótico de dimensão natural gerado pela determinação de Rui Poças amplamente recompensada pela dádiva de um momento icónico. É por aqui que o cinema nos vê com os olhos de arte.