Sexta-feira, Dezembro 6, 2024
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Bacurau: A distopia brasileira como um western do sertão. Mas apenas no Porto, no cinema Trindade

Udo Kier em Bacurau

Há bacamartes, ‘soldados da fortuna’ e drones em ‘Bacurau’. E até a improvável combinação de Sónia Braga e Udo Kier ao som dos Spandau Ballet, na mistura muito calórica e explosiva cozinhada por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. E há também Barbara Colen, a Clara jovem de Aquarius. Só um pormenor, como não houve Bacurau para os distribuidores portugueses, a única solução para ver o filme em sala será no Cinema Trindade, no Porto.

Sim, Bacurau não é ‘Star Wars’, é muito melhor,

Explosiva é a palavra certa para descrever este futuro distópico em que uma cidadezinha do interior é cercada por mercenários americanos. Ou seja, a descoberta dos problemas locais e a forma como a política é feita onde não a vemos. E, sobretudo, como a realidade com aquilo que tem de pior, ou seja, o uso das armas se banalizou no ecrã de televisão em jogos de violência niilista.

Por certo, muitas pessoas esperavam o regresso a Cannes do brasileiro Kleber Mendonça Filho para encontrar uma continuação de Aquarius ou O Som ao Redor (leia aqui a nossa entrevista em Cannes com Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles)  Isso talvez aconteça, embora o cineasta tenha decidido abandonar a cidade para se refugiar ao sertão e retratar o que por vezes nos escapa, ou seja, como é feita a política nas regiões do interior. Isto a partir de um guião iniciado há precisamente dez anos, antes ainda de O Som ao Redor. Apesar dos rumores de que seria um filme algo particular, talvez algo desfasado de um ponto de vista internacional, acabámos por confirmar precisamente o contrário. Para além de Sónia Braga, Barbara Colen e, claro, Udo Kier, a par de alguns atores americanos menos menos conhecidos, destaca-se também a atriz trans Silverio Pereira.

Ao contrário das longas anteriores, Kleber optou pelo género e a potência de cruzar o exacerbamento político, agora cada vez mais dominado por uma componente populista, com a mais profunda tradição brasileira. Isto no local no lugar de Bacurau, uma cidadezinha do interior de Pernanbuco, o sertão do Seridó, entre o Rio Grande do Norte e Paraíba, tão pequenina que acaba mesmo por ser varrida do mapa e que luta com os problemas mais básicos, como a necessidade de água potável, comida dentro do prazo de validade, vacinas ou rede de internet.

É bom perceber como nesta narrativa aliada ao realismo dos pequenos lugares começa a instalar-se uma estranheza que ultrapassa a realidade. É a luta pela água potável como se de uma riqueza profunda se tratasse, é a proximidade com uma política populista, que prefere despejar uma tonelada de livros velhos como se de uma importante dávida cultural se tratasse (numa recordação próxima do III Reich), e sobretudo como os pequenos gestos podem alterar aquilo que é verdade e gerar o consenso.

Paralelamente, observamos a infiltração americana camuflada, com a missão de eliminar os agentes ‘perigosos’ de Bacurau, de uma forma que mais parece um jogo. É por aqui que começamos a sentir a proximidade a um Mad Max do sertão, mas também combinada pela violência gratuita de Hunger Games. Vemos mesmo um casal de ‘operacionais’ que celebra com um orgasmo sexual a eliminação de um casal de idosos. Mas é sobretudo na forma como Kleber e Dornelles cozinham tudo isso que nos atrevemos a dizer que Bacurau é uma pequena preciosidade.

´Tudo isto pode parecer longe demais – porventura até estará – ainda que Bacurau nunca nos faça perder uma dimensão de realidade. Foi por aí que quisemos questionar o realizador na conferência de imprensa.

“Não sei exatamente se este filme é uma projeção científica de onde vão as coisas”, respondeu-nos Kleber, acrescentando que a atualidade acaba por rivalizar com a ficção. “Algo que nem é limitado ao Brasil. Basta ver o que sucede hoje no mundo. Parece-me algo que poderia ver num filme dos anos 80, dos 70 ou mesmo em novelas de ficção científica dos anos 60. Há elementos que acabaram por ser incorporados no processo de escrita do guião e que nos surpreenderam durante o desenvolvimento. Era como se a realidade estivesse a acompanhar o guião. E quando isso aconteceu tornou-se algo inacreditável.  Em muitos aspetos do dia-a-dia, o Brasil parece uma distopia.”

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Nota Insider – Apesar de Bacurau não ter sido comprado para Portugal – algo incompreensível, pois trata-de de um filme belo, muito forte e pleno de ação (mesmo sem ser comercialmente redundante), a par das inevitáveis implicações políticas que a atualidade brasileira exige – acaba por ser exibido no nosso país graças ao esforço da Nitrato Filmes , em exclusivo na sala Trindade, no Porto, durante duas semanas (até ao final do ano). 

Nota Nitrato – “Num momento em que proliferam as formas de ver cinema, cabe às salas recuperar e afirmar obras que pedem um grande ecrã. Por isso, esta iniciativa do Cinema Trindade, além do seu carácter inovador, assume uma especial importância, uma vez que proporciona ao espectador todo o esplendor e virtuosismo de BACURAU.”

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