Em maré de confinamento, o novo conto romântico de Christophe Honoré surge como um saboroso bombom, feito à medida da nossa intimidade, e para plena degustação doméstica a partir do próximo dia 24 através da plataforma Filmin. Mesmo sem abandonar a ligeireza de um soufflé, Quarto 212 (o título não poderia ser o mais indicado para o atual retiro) reexamina e mede com alguma acutilância a pulsação dos nossos amores, mesmo aqueles que vivem ao lado dos nossos próprios fantasmas, como se de uma visita a um oráculo amoroso se tratasse.
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Este bem poderia ser um ‘medley’ de ‘canções de amor’, pois possui o ritmo musical de encontros e desencontros entre casais à medida que acompanham os diversos momentos da vida de Maria e Richard. Eles são, respetivamente, Chiara Mastroianni, magnífica num papel desprendido e livre, que lhe valeu o prémio de melhor representação feminina no passado festival de Cannes, onde o filme concorreu na secção Um Certain Regard, e ainda Benjamin Biolay, Vincent Lacoste e Kolia Abiteboul, representando momentos diferentes da vida de Richard, aos 40, 20 e 14 anos.
Em menos de 10 minutos de filme, a inspiração de Honoré já nos deu algumas cenas verdadeiramente memoráveis, criadas por uma ampla galeria de infidelidades servidas por diálogos de pura filigrana e plenas de um humor contagiante que sabe tratar o amor por tu embora sem nunca cair na banalidade. Mesmo sem recuperarmos o virtuosismo inicial, seguimos com gosto esse questionar amoroso arrumado entre os quartos de ambos os lados uma rua parisiense, também ele visitado por um curioso exercício de intromissão do confinamento teatral num espaço de cinema. Nesse diálogo perceberemos também que o número ‘212’ corresponde não só a um quarto mas sobretudo ao artigo do Código Civil francês que estipula a conduta esperada entre um casal.
Seja como for, o que mais interessa é a forma laboratorial como Honoré trabalha estes diferentes quadros (e diferentes possibilidades) de uma relação, como se diferentes personagens se tratassem, como que permitindo a auto-observação de um “eu” omnisciente.
Uma coisa é certa, Quarto 212 encaixa bem na filmografia romântica do cineasta que desenvolveu um longo trabalho com o produtor português Paulo Branco, conforme nos relatou durante a entrevista realizada em Cannes a propósito do seu filme anterior, Agradar, Amar e Correr Depressa, já exibido entre nós.