Quinta-feira, Dezembro 5, 2024
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Festival de Cannes: fazer história e adiar o festival ou apostar no risco da superação?

Não teremos o festival de Cannes em Maio, mas, seguramente, teremos o festival de Cannes. E porque não em streaming? O negócio está lá. E o futuro? Depois das bases do isolamento lançadas por Parasitas, esperamos agora o futuro.

Numa altura de maiores interrogações do que certezas, há muito que a comunidade do cinema se interroga sobre o destino da 73ª edição do Festival de Cannes, cujas datas estavam previstas para os dias 12 e 23 de maio. Como se compreende, diante da crise global provocada pelo COVID-19, o festival vem confirmar no seu curto press release, divulgado esta quinta-feira, dia 19, que o certame “não se poderá realizar nessas datas”, sendo que a hipótese mais provável será, para já, o adiamento para o final de junho, início de julho. Uma data apenas viável, já que Cannes ficará praticamente ‘em cima’, ou mesmo sobreposto com o festival de Karlovy Vary, previsto de 3 a 11 de julho. Ainda assim, salvo alguma adaptação, essa será a possibilidade atualmente mais considerada. Mas será a única?

É que a ser assim, será uma decisão absolutamente histórica, já que o Festival apenas nunca viu as suas datas alteradas, apesar de ter sido cancelado (ou interrompido), por uma única vez. Algo que sucedeu em plena crise de 1968, e motivado pela intervenção de Jean-Luc Godard e François Truffaut e Roman Polanski que forçam o festival a interromper as sessões, depois de uma abertura com o filme E Tudo o Vento Levou

Difícil mesmo será parar o maior fórum de cinema do mundo (e o seu mercado!). No entanto, não nos parece que o isso vá suceder, pois estão em causa demasiados valores, talentos e um mercado de muitos milhões. Imagina-se que nesta altura alguns dos maiores cineastas da atualidade estejam a editar e corrigir os seus filmes a pensar em Cannes, provavelmente em modo de teletrabalho, esta necessidade a que o COVID-19 nos forçou (embora muitos de nós já estivéssemos mais do que habituados – e até a estar sem trabalho).
Talvez seja um mês mais tarde, como admite a equipa liderada por Pierre Lescure e Thierry Frémaux; talvez possa ser de uma forma diferente, sugerimos nós. Porque se o coronavírus não desaparecer totalmente, ou for impraticável montar o festival – já por si tão restrito em termos de segurança -, por exemplo, como ceder a uma versão provavelmente ainda mais restritiva em termos de segurança? É algo que se pode tornar insustentável.

Soluções alternativas estarão provavelmente a ser estudadas, sem dúvida. Imaginamos até que uma delas possa passar por aquilo que nos parece de alguma forma inevitável, se não mesmo o futuro, por muito que nos doa (pelo menos aos mais puristas). Falamos daquilo a que Cannes se tem oposto com unhas e dentes – o streaming.

Como? Um festival de Cannes pela internet? Precisamente, mas apenas por se tratar de uma situação absolutamente excecional. Assim exista uma plataforma exclusiva e capaz de reproduzir sessões individuais apenas para acreditados (embora aqui se possa até considerar um universo mais abrangente cada vez mais habituado ao confinamento) e, naturalmente, sessões pagas por cada um dos acreditados. E de acordo com uma programação nos moldes do que já existe e com as regras adaptadas ao streaming. Será apenas uma quimera? Já estivemos mais longe. Enfim, meras sugestões.

E daí talvez seja mesmo uma quimera, pois não dominamos todas as variáveis e as vontades dos interessados. É que superados estes problemas, poderemos talvez olhar também pelo lado das vantagens e oportunidades (ou seja, o negócio do cinema).

É claro que, muito provavelmente, o grande problema que separa esta (mera) possibilidade e a realidade (além, claro está, da concepção de cinema e do local ideal para ver cinema) serão os obstáculos de ordem legal, ou seja, até que ponto estariam salvaguardados os direitos de autor, embora o contrato celebrado com a acreditação pudesse, eventualmente, superar essa dúvida. Já diferente poderia ser o perigo de circulação da obra e a sua reprodução ilegal, ainda que uma sessão com IP individualmente codificado e unicamente para essa duração estrita pudesse ser uma alternativa.

Vistas as coisas também do lado da oportunidade, um certame desta envergadura – o maior festival de cinema do mundo – alargado a uma escala mais vasta, na medida da abertura a um público bem mais vasto do que aquele que tradicionalmente acede às salas do festival, naturalmente pagando a sua parte, poderia tornar-se num negócio mais apetecível. Pelo menos, em vez da crise atual da dúvida de se fazer ou não o festival e em que moldes.

Por outro lado, imaginando a permanência de uma situação de pouca mobilidade, a possibilidade de realização das tradicionais conferências de imprensa tornar-se-ia possível através dos mesmos meios, bem como a possibilidade de realização de entrevistas – skype, video e/ou áudio.

Spike Lee, Presidente do Júri

Finalmente, numa versão pós pandemia, e retomado o formato habitual, parece-nos interessante que um festival pudesse igualmente sair do seu círculo geográfico (o espaço do festival) e, por que não, estender-se a salas selecionadas em diversos países que reproduzissem essas extensões conferindo um lado mais global a um evento que terá de forçosamente de encarar novos cenários. Enfim, seguramente uma sugestão por certo a motivar algum interesse, se bem que também uma acesa discussão.

Por outro lado, um festival como Cannes que, paradoxalmente, sempre teve uma política mais restritiva relativamente ao streaming até poderia ter aqui a oportunidade de se reinventar num mundo que parece estar preparado a adaptar-se ao século XXI. Uma coisa é certa, muito provavelmente, a próxima Palma de Ouro será, por todos os motivos, histórica.

Depois da Palma de Ouro do sul-coreano Bong Joon-ho, que de certa forma lançou as bases do confinamento, com o sensacional Parasitas, vencedor do Óscar de Melhor Filme e Realizador, entre inúmeros prémios, por certo todo o mercado oriental, ou seguramente mundial, estarão de olhos virados para a 73ª edição de Cannes como uma oportunidade. Bem como todo o resto do mundo.  Tal como Spike Lee, o Presidente do Júri. Uma coisa é certa, estamos convictos que a direção do Festival de Cannes será fiel à máxima do cineasta americano, ou seja, preparada para do the right thing.

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