Picaresco e irresistivelmente desavergonhado este Fogo-Fátuo de João Pedro Rodrigues (ou será Um Príncipe no Quartel?), como sempre recriado com a cumplicidade habitual de João Rui Guerra da Mata. Nesta sexta longa metragem, apesar da próxima estar já pronta (chama-se Onde Fica Esta Rua? Ou sem Antes nem Depois), sente-se a presença do ‘seu’ cinema de género, um cinema pessoal (individual, mesmo). Leia-se aqui género masculino, seja ele queer, cinéfilo, ou, pura e simplesmente, autoral.
Fogo-Fátuo é mesmo um filme escaldante. Em suma, um filme de corpos, abertamente erótico que incendiou a Quinzena dos Realizadores, em Cannes. Saboreia-se assim a nostalgia de um amor perdido, neste ‘querido verão’ que atravessa épocas bem diferentes, desde logo iniciando por um provocador 2069. Aí, um real moribundo sucessor a um reino sem coroa, está preso a uma ideia de passado. Ao corpo de uma canção, diante de um majestoso quadro colonial.
Ele é o príncipe Alfredo (o estreante André Cabral) que irá citar Greta Thunberg – num regresso ao nosso tempo – no momento em que declara aos papás monárquicos o seu ‘grito de Ipiranga’, manifestando o desejo de ser bombeiro em vez de real pretendente. E há também o ‘grito’ de JPR ao fantasiar o corpo da forma mais plena, temperando o humor com erotismo, a música com Arte. Pelo meio, reflecte-se o nosso passado esclavagista e a aristocracia bacoca com a personagem de Margarida Vila-Nova, a traduzir o seu incómodo com uma das frases mais caricatas (entre várias) ouvidas recentemente no cinema: “só faltava agora, confundir a Família Real com o cinema du réel!”
Real será mesmo o delírio homoerótico e musicado do quartel de bombeiros onde Alfredo conhece o parceiro negro Afonso (Mauro Costa). Com ele irá compor ‘quadros’ de um humanismo invencível e lascivo (irresistível mesmo para cisgéneros!) destinados a integrar o calendário da corporação comandada por uma mulher de peso (Cláudia Jardim). No fundo, tudo isto é cinema, tudo isto é permitido na fantasia musical. Até porque no final de cantará o falo!. Sim, com Paulo Bragança a antecipar a derradeira apoteose. E assim fechou, em apoteose, o 30º Curtas de Vila do Conde!