Domingo, Dezembro 8, 2024
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Tesouros Lumière: novos restauros, descobertas e deslumbramentos

Hitchcock, Bresson, Powell e Pressburger, Siodmak e Ulmer? Em imaculadas e renovadas cópias em 2K, em 4K? Sim! Pára tudo! É o Festival Lumière, desde o dia 12 até dia 20.

Ao assumir a divulgação do cinema de património, o Festival Lumiére pode muito bem orgulhar-se da riqueza (tanto em qualidade como diversidade) de uma programação servida por novos restauros, por si só capazes de fazer a alegria dos programadores das secções clássicas de vários festivais de série A.

Que o diga Thierry Frémaux, diretor do Lumière e diretor artístico do festival de Cannes, que vai gerindo parte dos tesouros de Lyon (e Cannes!) ao longo destes 15 anos de festival. Não é coisa pouca. Só que para o jornalista que faz a cobertura de alguns dias, o problema acaba por ser a opção entre diversas escolhas superlativas.

Blackmail, de Alfred Hitchcock (1929)

Comecemos pelo princípio, que foi a versão sonora deste novo restauro de Blackmail, de Hitchcock, ou seja, aquela que foi a última muda e a primeira sonora. Sim, depois da novidade do produtor John Maxwell ter dotado o estúdio com o equipamento necessário para a captação de som. Algo que vez saltar Hitch a voltar a filmar algumas sequências, adaptando-as aos diálogos de um guião e do novo olhar de Michael Powell que terá contribuído na sua elaboração. O efeito é tremendo, num filme onde se deteta a enorme modernidade da mise en scène, mormente o domínio do suspense, e que irá se replicada em muitos dos seus filmes seguintes.

Michael Powell serve igualmente para introduzir o fabuloso The Small Black Room (O Seu Pior Inimigo), já com o sucesso enorme da dupla Michael Powell e Emeric Pressburger, em 1949, também ele em novo restauro em 4K. Curiosamente, num regresso ao preto e branco, após o luxo visual de uma série de filmes onde a cor é usada de forma brilhante, sobretudo depois de A Vida do Coronel Blimp (1943) e, por exemplo, Os Sapatos Vermelhos (1948). Um delicioso registo ligeiro embora em redor do problema das bombas armadilhas e daqueles que tinham de as desarmar. Tremendos David Farrar e Kathleen Byron.

Ainda fotografado a preto e branco, Menschen am Sonntag, de 1930, foi um dos momentos mais altos do festival, com acompanhamento musical ao vivo destinado a musicar esta experiência fascinante e bucólica entre documentário e ficção. Ao qual não será alheia a equipa em redor do projeto. Desde logo, a dupla de realizadores, Robert Siodmak e Edgar G. Ulmer, bem como Billy Wilder a assinar o guião e ainda Fred Zinnemann (alvo de retrospetiva em Lyon). Na verdade, nomes que em breve seriam grandes em Hollywood. O que importa saber é se trata de um registo minimal com atores não profissionais em redor dos momentos de lazer, ao domingo. Há uma tremenda novidade na captação deste rostos e corpos, numa liberdade que não conhecemos deste tempo em redor do lago Wansee, em Berlim. isto em plena República de Weimar, embora com um plano de tropas a marchar, prenunciando o futuro que já sabemos. Tremenda a (assistência) fotografia de Zinnemann, a dupla de realização e a história (sem história). Uma preciosidade.

Quatre Nuits d’un Rêveur, de Robert Bresson (1971)

E ainda não falámos de Bresson. Do muito raro Quatre Nuits d’um Rêveur/Quatro Noites de um Sonhador(1971), apresentado este ano em Cannes, em nova adaptação de Dostoïevski (depois de Uma Femme Douce) e a forma como capta o romance e a ilusão dele próprio. Grande parte filmado em luz noturna e servindo-se de um notável ascetismo de formas, ideias e procedimentos, que deixa tudo para a sugestão.

Curiosa até a aproximação que este filme sugere à irreverência de Kalamita, da checa Vera Chytilová, integrada da coleção Tesouros e Curiosidades (onde o ano passado vimos As Ilhas Encantadas, de Carlos Vilardebó), pela liberdade e explosão de cor, movimento, liberdade. Aqui já depois da Primavera de Praga, apesar da realizadora optar por não se exilar. Vale sobretudo pela imagem de um humor cáustico seguindo um clown, em missão de motorista de elétrico pela cidade onde acontecem demasiadas calamidades.

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