Quinta-feira, Dezembro 5, 2024
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‘Il Boemo’ toca as notas mais altas para a Concha de Ouro

Quando um filme (que ultrapassa as 2h20 minutos) nos arrebata do início ao final é porque se trata, não só de algo muito apelativo, mas também porque está cuidado nas suas diversas componentes. Il Boemo revê a sua estreia mundial aqui em San Sebastian e é daqueles casos raros (e arriscados), embora totalmente conseguido, arriscando-se mesmo a altíssimos voos. Desde já, um salto muito confiante como fortíssimo candidato à Concha de Ouro. Isto apesar de ser já conhecido como o candidato checo aos Óscares. E, muito provavelmente, aos prémios do Cinema Europeu. Fica assim em alta a expectativa deste projecto biográfico cumprido com irrepreensível brio pelo checo Petr Václav, ao cabo de mais de uma década de produção vinha estudando a efervescente, e efémera, carreira do compositor Josef Myslivecek, que foi amigo e professor do muito jovem W.A. Mozart.

O compositor teve uma vida curta, interrompendo as aventuras amorosas e os espectáculos nos mais prestigiados teatros e cortes europeias aos 44 anos quando ‘Il Boemo’ morreu de sífilis. Inevitavelmente, um filme que vive também da magistral interpretação, ainda que necessariamente contida, da vedeta checa Vojtech Dyk, um actor, mas também músico, com vasta experiência. Irrepreensível em italiano, alemão, além, claro, do checo.

A sensação que fica é, ao mesmo tempo, de um magnífico musical de época, articulado pela forma de um projecto europeu muito cuidado. Algo que Václav consegue com a colaboração irrepreensível dos dois directores de fotografia, Diego Romero e Suarez Llanos, bem como a vénia ao alto gabarito do corpo de intérpretes de ópera e ainda, claro, ao sumptuoso guarda-roupa a cargo de Andrea Cavalletto. Esta enorme confiança permite-lhe avançar com garra num filme de ópera vibrante que faz de cada número musical um evento cheio de acção, na vida boémia de uma Itália na segunda metade do século XVIII, sempre dividida pelos seus reinos, embora unida pelo espectáculo da ópera. Em particular, a opera buffa, de origem napolitana, muito apoiada na força interpretativa, na estética exuberante e na caracterização dos actores, algo impecavelmente reproduzido no filme. Mas quando no final, ‘Il Boemo’ se lamenta da chegada das ‘melodias’ e da música ‘mais simplificada’, significa que, no seu entender, chegou a popularização e, eventualmente, menor fôlego artístico. Ele que dizia: “mais vale deixar passar alguns erros, e deixar falar os sentimento”.

Talvez seja forçada a nota, mas em diversos momentos musicais de total intensidade dramática de Il Boemo,recordamos momentos do show musical de David Bowie, actualmente em exibição Monge Daydream. É claro que a secular distância história obsta a esse atrevimento. Embora, a interpretação empenhada do bel canto, como aqui vemos, possuída pela força majestosa dos intérpretes, a sumptuosidade dos décors e do fulgor do registo natural, inevitavelmente nos recorde mais Amadeus, embora aqui com outros notas (e níveis) de virtuosismo. Seguramente, um filme que merece uma segunda visão de modo a melhor apreciar o cinema que arrisca a ser subjugado pelo fulgor visual e musical. Mas está lá! Dois (ou três) nomes deveremos fixar: um é Josef Myslivecek; o outro é Petr Václav. Sem esquecer, claro está, Vojtech Dyk.

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