Superpower é um filme destinado a funcionar como esforço de guerra. É claro que não é um grande filme, nem esse cuidado cinematográfico alguma vez supera uma mera recolha de imagens com o actor protagonista Sean Penn (num filme que co-realiza com Aaron Kaufman), inesperadamente investido num papel de denúncia humanitária. E até quando este se submete a secundário sempre que o ucraniano Volodymyr Zelensky se cruza com ele.
Zelensky que terá já visto Superpower, quando o actor americano o visitou recentemente, como nos confidenciou durante a conferência de imprensa após a sessão de imprensa: “Era muito importante que o Presidente visse o filme antes de todo o mundo”, referiu Penn. “Nos estivemos em Kiev na semana passada. Passamos lá cerca de uma semana e mostramos-lhe o filme.”
Não só pela relevância do papel real, mas sobretudo pela postura inabalável que fomos conhecendo ao longo deste ano de invasão do seu país pelas tropas russas. Ele que foi actor populista – famoso não só no seu país, bem como na Rússia -, mas que se converteu, pela força das circunstâncias, num herói nacional, forçado a trocar o fato pelo permanente uniforme militar. Arrisco mesmo a dizer, um herói do mundo ocidental, marcando já, de forma inevitável, este século.
É claro que Superpower está muito longe de um filme como Mrs. Miniver, o filme que Willian Wyler realizou em 1942, e do qual Winston Churchill terá dito que valeria “mais do que uma frota de destroyers”. Mesmo assim, e reconhecendo que o filme não tem muito ‘power’, cumpre-lhe a missão de registo, do ‘aqui e agora’. Como referiu Penn, na segunda parte da nossa pergunta: “Estar na linha da frente, foi estar na presença de seres humanos que representam aquilo a que chamamos a liberdade. Nenhum deles tem a preferência por representar armas de violência, mas não lhes foi dada outra alternativa. No meu caso, diante a possibilidade de estar na companhia de heróis eu aceito-a”.
Ainda mais pelo facto de ter nascido com um propósito e acabar por ser empurrado para um destino bem diverso. E não deixa de ser curioso o facto de a ficção imitar a realidade da forma mais insólita propondo uma inversão de papéis que dificilmente só se ‘colariam’ a uma ficção de terceira ordem. Mas essa é também a situação em que vivemos, em que um aprendiz de ditador invoca razões históricas para criar a sua verdade dos factos, cometendo as barbaridades que se conhecem. O que acabou por arrastar o tal comediante para um papel de herói. E agora também uma vedeta de Hollywood em postura de repórter de guerra acidental.
E o cinema lá no meio. Que deixa de ser um documentário sobre um humorista para se transformar nessa peça emblemática do ‘awareness’ sobre a guerra na Ucrânia – mesmo que seja uma notícia permanente durante mais de 360 duas consecutivos. Nesse sentido, ninguém é quem quer ser nesta história. Nem sequer, o tal ‘super-poder’ que virá dos filhos de Zelensky, como o título desastradamente quer sugerir. Pois o amor não parece ser aqui chamado. Mas, sim, talvez, a sua nemesis, ou seja, o ódio.
Há no filme uma viagem da comitiva de Sean Penn, de Kiev até à fronteira polaca; e depois num regresso, em junho do ano passado, até às trincheiras na linha da frente, no Donbass. Claro que, durante todo esse processo, a câmara poderia virar-se mais para a realidade do que para a sua reconfiguração em Sean Penn, bem como menos em redor das conversas em hotéis de luxo, acompanhados por cocktails. Mas isso é outra história.
Lá está, Superpower não será nenhum Mrs. Miniver, mas ainda assim talvez acaba por valer, não destroyers, mas um robusto envio de “long range precision weapons”, como sublinhou com o dedo erguido, no final do encontro com a imprensa, como que a dizer: é isso que é importante agora, minha gente.