Óscares 2025: Sonhos de uma noite de prémios (mas sem casos!)…

“Anora” venceu e “O Brutalista” convenceu. Mas só “No Other Land” tocou na ferida. O resto passou ao lado.

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Sim, Anora venceu, mas foi O Brutalista quem mais convenceu. E depois há os outros. O Brasil ainda teimou e exclamando, Ainda Estou Aqui. Quanto às despesas políticas da noite, foram em grande parte entregues aos autores de No Other Land. Assim se cumpriu a narrativa dos Óscares, aquele sonho mítico que (pelo menos, durante alguns dias do ano) alimenta paixões, despoleta cinefilias e faz a vénia ao fausto e brilho da indústria de cinema.

No palco (ou do ecrã de televisão) do Dolby Theatre, ali mesmo, no coração de Hollywood, ficaram inscritos no seu panteão os nomes da safra de 2025, de acordo com o inevitável desígnio de fantasia. E que leitura fazemos desses prémios, dessa noite de glória (pelo menos para alguns)?

Em jeito de tweet rápido, dir-se-á que a noite foi de Sean Baker e do seu “Anora”, com cinco valiosas estatuetas, quatro delas para o realizador que assim celebrou o seu cinema independente e pugnou por uma corrida às salas. Diz que é um recorde. Mesmo que a última Palma de Ouro do mais importante festival do mundo esteja, talvez, um pouquinho aquém de tão gigantesco reconhecimento. Mas já lá vamos.

Chamemos então as coisas pelos nomes e recordemos como naquele longo e sereníssimo serão, o enorme elefante na sala – leia-se o mundo (nada admirável) em que vivemos -, foi lateralizado. Ou cuidadosamente silenciado. Cedo se percebeu que a pulsação política, historicamente verbalizada pela mais poderosa comunidade criativa do mundo, se quedou por uma serena e confrangedora timidez. Mas mal seria se os sinais da outrora land of the free fossem cada vez mais cercados por um libelo autocrático. Digamos que apenas se tocou na ferida.

Por falar em política, esta manifestou-se sobretudo na forma como as contradições da atriz espanhola Karla Sofia Gascón acabaram por penalizar as aspirações do musical de Jacques Audiard Emilia Pérez, ainda que não tenham ido ao cúmulo de obliterar a vibrante prestação da sua atriz secundária, Zoe Saldaña. Ou o grito espontâneo de Darryl Hannah, em apoio à Ucrânia!Ainda assim, o sublinhado político mais notório seria assinalado pelo palestino Basel Adra e pelo israelita Yuval Abraham, justíssimos vencedores do prémio de melhor documentário, com No Other Land, sobre o constante empurrão geográfico das tropas israelitas sobre as populações na sua terra, em Masafer Yatta, em plena zona ocupada da Palestina, apelando ao mundo para parar com a limpeza étnica do seu povo. De referir que eles foram os mesmos que, o ano passado, provocaram alguma celeuma e controvérsia política no festival de Berlim.

Já Conan O’Brien vestiu o smoking de apresentador, embora se tenha ficou por um singelo comentário político, ao referir que o sucesso de “Anora” se justificava pela personagem com a coragem de se impor aos… russos. Ok, Conan. No caso, referindo-se ao casamento, por conveniência, da sex worker Annie, ou Anora, com o filho mimado de um oligarca russo, que assim iria obter a nacionalidade americana. Essa é então a story line do guião do ano. Mas será que é mesmo? Ao rever o filme confirma-se que o singelo sonho proletário de Annie se esvai diante uma crua realidade. Mas que, paradoxalmente, acaba por premiar a desconhecida Mickey Madison, cujo nome apenas debutou no filme que obteve o prémio máximo em Cannes. Em todo o caso, e se quisemos ser rigorosos, a sua prestação dificilmente fará a história do cinema. Pelo menos, desmerece ao lado do investimento de Demi Moore, em A Substância, e do que esse papel representa nos dias de hoje (e nos premios de cinema). E que efeito terá tido o ‘afastamento’ de Karla Sofia Gascón, uma personagem com robustez temática superior à sua. Ou até o crescimento mediático (e esperançoso para o enorme universo brasileiro) de Fernanda Torres em Ainda Estou AquiE que ficaria totalmente justificado ao sobrepôr-se aos restantes candidatos do prémio internacional. Até mesmo a Mohammad Rassoulof e à sua A Semente do Figo Sagrado.

Mas mesmo que Madison não esteja à altura de outras personagens marcantes do universo indie de Baker, percebe-se que o DNA de Annie começa a desenvolver-se ao longo da filmografia de Sean Baker, sobretudo desde Starlet (2012), Tangerine (2015), Florida Project (2017) ou mesmo, no mais recente, Red Rocket (2021), também ele sobre uma personagem da indústria do sexo.

De resto, tudo se cumpriu com uma certa justeza. Sejam os três prémios para esse filme fora de época – “O Brutalista”, desde logo, para o obrigatório a Adrien Brody, apesar de ele próprio só poder ter mesmo medo da sua própria sombra – ou seja, aquela que lhe deu quase 30 anos depois um novo Óscar por uma personagem, digamos assim, não tão diferentes do calibre de O Pianista. Esse é um filme que se ergue como um próprio edifício, ao longo das suas três horas e meia. Mesmo que esse esforço em alcançar a genialidade, possa até roçar alguma indesejada megalomania. Aliás, como sucede, e nem de propósito, com Megalopolis, de Francis Ford Coppola, a quem entregaram o Razzie, de ‘pior filme’. O mesmo Coppola que, há precisamente meio século, venceria os Óscares de Filme, Realizador e Argumento Adaptado.

Adrien Brody que teve uma forte concorrência por parte de Timothée Chalamet e da sua composição total de Bob Dylan, em “Um Total Desconhecido”. Ele que esteva para aparecer, mas que disse ‘i’m not there’, enviando antes Mick Jagger, o que é sempre um bónus inesperado para um artista que quase nunca aparece. Por seu turno, Walter Salles repetiria em palco “Ainda Estou Aqui”, empunhando o Melhor Filme Internacional. Kieran Culkin confirmou também a performance avassaladora de “Uma Verdadeira Dor”.

Acabada que está a festa e apanhados que foram os foguetes, qual terá sido então a oportunidade perdida da noite? Talvez a de Conan O’Brien não desprezar a sua invulgar semelhança física ao ‘homem mais rico do mundo’ e perder a oportunidade de explorar uma inesgotável fonte de humor. Lá está, sonhos de uma noite de Óscares – mas sem casos.