Terça-feira, Outubro 21, 2025
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Donostia em balanço: o cinema à procura de si próprio

Numa altura em que é cruzada a metade do festival, fazemos um pequeno balanço que permite perceber as diferentes matizes dos filmes a concurso para a Concha de Ouro e que nos trazem questões pertinentes dos tempos em que vivemos.

Comecemos por Couture, um filme que entrelaça (ou melhor, “costura”) diversas histórias do universo da alta-costura, durante a semana da moda em Paris. Explora não apenas a elegância e o glamour da moda, mas também as emoções, os conflitos e as vulnerabilidades que se escondem por trás de todo esse brilho.

O filme trouxe a San Sebastián a cineasta francesa Alice Winocour, além de Angelina Jolie, no papel de uma realizadora que descobre ter problemas de saúde — um cancro na mama que se revela perigoso — e que terá de lidar com esse trauma num momento particular da sua vida profissional e pessoal.

Como se percebe, este é um tópico aliciante que aguçou a curiosidade no encontro com a imprensa. Desde logo, do ponto de vista pessoal da atriz, com Angelina a assumir que teve de fazer uma mastectomia dupla e retirar os ovários. “Foi uma decisão muito importante na minha vida, mas não me arrependo”, afirmou.

“A Angelina é uma rebelde”, referiu Winocour. “Uma rebeldia que ela leva para a sua interpretação. Pois este é um filme de mulheres, e não apenas sobre o cancro”, rematou.

Sem dúvida, este é um filme muito feminino, onde por vezes se torna difícil contornar os clichés associados ao mundo da moda. No entanto, funciona como um retrato eficaz de uma indústria, ao qual Jolie empresta a sua rebeldia.

Contudo, como se sabe, essa rebeldia deve ser exercida com algum cuidado nos dias de hoje, sobretudo nos Estados Unidos, país de origem de Jolie. Quando questionada sobre o medo, a atriz respondeu: “Adoro o meu país, mas neste momento não o reconheço. Tudo aquilo que limita a liberdade de expressão, seja a quem for, é muito perigoso. Vivemos tempos muito sérios, e é importante sermos cautelosos com o que dizemos, sobretudo numa conferência de imprensa.”

Por exemplo, o filme Belén, outro filme a concurso, assinado pela realizadora argentina Dolores Fonzi, aborda questões sensíveis a partir de uma perspetiva semelhante. Em 2014, uma mulher (Fonzi) foi presa por homicídio após um aborto expontâneo, isto numa altura em que o país ainda não legalizara a interrupção voluntária da gravidez. A partir deste caso, Fonzi constrói esse percurso legal, de modo semelhante ao feito por Santiago Mitre no filme Argentina 1985, autor é companheiro de Fonzi.

No encontro com a imprensa, a realizadora revela que a ideia para o projeto surgiu em 2015, com o filme que faz com Santiago Mitre, La Patota e ganha o prémio de melhor atriz. Nessa altura percebe que Belén estava presa há mais de dois anos e exibe nesse momento um cartaz que diz “Liberdade para Belén!”. Um filme militante que “cavalga a força da lei e é assaltado pela injustiça e os aparatos institucionais que não exercem a justiça. No fundo é algo mais universal. Não basta ser militante feminista”, referiu.

Vimos ainda a visão inquieta e ambiciosa da cineasta polaca Agnieszka Holland seu biopic sobre o escritor Franz Kafka, intitulado precisamente Franz. Apesar de compreender a intenção de enriquecer a narrativa — por vezes, paranoica — do autor, Holland acabou por se perder, ela própria, nesta procura anacrónica (como as visitas ao museu Kafka em Praga) e, quem sabe, talvez até assombrada pela necessidade de tentar complementar algo ao filme de Stephen Soderbergh, de 1991, Kafka.

“Não sabíamos bem qual seria o resultado final que alcançaríamos com esta narrativa não linear”, revelou Agnieszka na conferência de imprensa após a sessão. “Dei total liberdade à equipa, e parecia que tínhamos um filme diferente a cada dia. A ideia era apresentar vários pontos de vista. Só na mesa de montagem conseguimos ver o resultado final”. Como explicou também o próprio Idan Weiss, “o filme foi uma tentativa de procurar o Franz através de várias interpretações”.

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