Domingo, Outubro 26, 2025
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Pordenone: Entre A Morte Cansada e a energia de Chaplin

Entre o cânone de 'A Morte Cansada', de Fritz Lang, Pordenone celebrou a 'mania' de Chaplin numa série de vertentes deste comediante completo.

Ao longo da 44ª edição da Giornate del Cinema Muto, o mais famoso festival de cinema mudo do mundo, a sensação que se instala é a de que, pelo menos, na pequena cidade de Pordenone, na região de Friuli-Veneza, a celebração do cinema sem palavras não fora interrompida pela chegada do som. Existe mesmo uma certa sensação de celebração festiva em cada sessão, invariavelmente coroada por sentidos aplausos. Será o fascínio da descoberta de imensos tesouros do arquivo, dos primórdios do cinema, agora regressados nos mais cuidados restauros digitais – embora também muitos em película? Porventura a celebração dessa emoção complementada pelos notáveis acompanhamentos musicais ao vivo? Quiçá a conjugação de tudo isso numa celebração do cinema e partilha em sala, como a do Teatro Verdi!

Depois da eloquência verbal e visual de Cyrano (ou Cirano), a programação abriu-se ao esplendor do universo expressionista de mão dada à obra-prima de Fritz LangDer müde Tod (em português, A Morte Cansada), devidamente acompanhada pelo piano do inexcedível Ilya Poletaev, transportando-nos ao longo do encantamento visual, atmosférico e cinematográfico de Lang.

Esta produção de 1921, porventura uma das obras cimeiras de Lang, de 1921, foi escrita em parceria com Thea von Harbou, co-argumentista de todos os filmes dos anos 1920, incluindo Metropolis. Aliás, a parceria Lang-Harbou haveria de ultrapassar uma dimensão artística e concretizar-se em casamento em 1922. E que duraria até Von Harbou se deixar encantar pela ascensão do nacional socialismo, acabando por motivar uma divisão ideológica e, até mesmo, divórcio do casal. Já Lang, haveria de exilar-se, em 1933, primeiro em França e, depois, nos Estados Unidos.

Além de constituir o primeiro sucesso internacional de Lang, Der müde Todd representa igualmente um capítulo importante no romantismo expressionista da República de Weimar, captando o amor do realizador pela pintura renascentista, ao narrar o conflito entre o amor e a morte ao longo de diferentes épocas – o ramadão islâmico na Arábia, o carnaval em Veneza, culminando na China imperial. 

Servido por uma estrutura narrativa perfeitamente entrelaçada, o filme baseia-se em contribuições técnicas de altíssimo nível para cenários, figurinos e cinematografia, aliado a um elenco impressionante com Bernhard Goetzke, no papel de Morte. A história acompanha a tentativa de uma jovem de salvar o seu amante do domínio da Morte. Dispondo de três chances, ou “luzes”, abrangem tempos e lugares distantes: o primeiro episódio leva-nos a um país islâmico durante o Ramadão, o segundo a Veneza durante o Carnaval, e o terceiro à China imperial.

O mundo de Chaplin

Meio século antes da Beatlemania, era Chaplin quem dominava totalmente a ‘mania’, afirmando-se como a personagem global. Pordenona faz jus a esse momento, revelando uma grande parte daquilo a que chamou Chaplin Connetion. Além da exibição de clássicos como Shoulder Arms (1918), por exemplo, houve espaço para todo um programa dedicado à exploração da persona de Chaplin e a influência que teve na origem da comédia slapstick, bem como no transbordar de várias imitações. Exploram-se aqui alguns casos paradigmáticos, como o do colega Billie Ritchie, numa variação excêntrica do ‘vagabundo’; ou ainda Billy West, procurando ser muito mais do que um imitador, ou Bebe Daniels

Mas para além desta presença da comédia, a programação deste ano permite-nos aproximar muito do seu ambiente familiar, isto graças à íntima colaboração com o Chaplin Office e a própria família Chaplin. Algo que permitiu descobrir pequenos filmes que revelam o ambiente de Charles Chaplin na sua vida privada, ou seja, fora do ‘boneco’ Charlot. Temos, por exemplo, situações de proximidade de rodagem – ainda que com alguma encenação mínima, bem como os encontros com alguns convidados VIP, como sucedeu, por exemplo, com Max Linder, talvez aquele a quem se deve a criação do humor no cinema, Winston Churchill, na sua visita, em 1929, durante a rodagem de Luzes da Cidade, e depois de 1931, na estreia do filme.

Numa altura em que o desejo pela personagem estava no auge, ou seja, durante meados da década de 1910, surgiram até uma panóplia de animações, em colaboração com diversos arquivos. Falamos, por exemplo, Charley in Turkeyde 1919, Charlie Chaplin’s Droom, sem data, entre outros filmes agora revelados em ótimas condições. Curiosas também ainda as visitas ao estúdio que construíra na Av. La Brea, em LA. E o que dizer das tomadas raríssimas de Chaplin, no final dos anos 59, como aquela em que passeia no seu jardim e não se coíbe de apanhar algumas flores e comê-las. Enfim, o mundo de Chaplin.

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