Quarta-feira, Dezembro 4, 2024
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Animais Noturnos: Tom Ford combina estilo e narrativa com thriller no limite do terror psicológico

Tom Ford é um esteta, já o sabíamos. Mas também um cineasta com um forte pendor clássico. Como um bom fato, talvez. De resto, as dúvidas ficaram logo sanadas assim que vimos o magnífico Um Homem Singular há sete anos atrás. Nesta sua segunda experiência, digamos que o designer e realizador texano supera o trauma do ‘segundo álbum’, normalmente associado à música, dos artistas que obtiveram sucesso no primeiro e se espalharam no segundo. Mesmo que o intenso e intrigante Animais Noturnos não supere o vigor do primeiro, assegura duas horas sem que ousemos desviar por um momento que seja a atenção do que se passa na tela. Sublinhado ainda pela intrigante viagem subconsciente das personagens (e nossa) algures entre a realidade e a narrativa.

Ford começa logo a abrir e a provocar-nos com um genérico imponente que exibe corpos femininos nus, de gordura flácida excessiva, que dançam numa quase sensual slow motion e posam como pedaços de arte arrogante se tratassem. Um estremecimento que acaba por funcionar com uma narrativa nos limites do thriller e a roçar o terror psicológico num tom a que não será alheio algum do universo de David Lynch. Pelo menos é isso que resulta do livro Animais Noturnos, baseado em Tony and Susan, de Austin Wright, que Edward (Jake Gyllenhaal) envia à ex-mulher Susan (Amy Adams), uma bem-sucedida galerista, e que a mesma, talvez seduzida pela carga violenta, é incapaz de parar. Até para afogar o desencanto do seu novo casamento com o suave e esquivo (Armie Hammer, que veremos em breve em The Birth of a Nation).

Ao lê-lo, Susan imagina Edward nesse encontro fatídico durante uma viagem de carro com a mulher (Isla Fisher) e a filha (Ellie Bamber) em pleno Texas, em que ambas são raptadas, violadas e assassinadas. Um pouco como sucedia em As Horas, em que uma outra narrativa ressalta das páginas do livro que é lido, também aqui a leitura tumultuosa de Animais Noturnos interfere nesse episódio traumático com um pequeno gang liderado pelo rude Ray (Aaron Taylor-Johnson), seguido de resto pela subsequente investigação. E aqui entra em cena o sempre intenso Michael Shannon, no papel do detetive local, com um cancro, mas sempre de cigarrinho na boca.

 A certa altura, a assistente de Susan comenta um quadro antigo na sua galeria apenas com a inscrição “revenge (vingança)”, uma vingança afinal de contas que pode muito bem servir como acerto de contas do passado, da vida algo conservadora, ou talvez até, quem sabe, de uma vingança do corpo pelo atentado aos ditames da moda.

Mesmo que não seja grande coisa a história noir narrada (ou lida) por Amy, que afecta a família de Edward por maníacos texanos, o envolvimento tecido por Ford é sobejamente intrigante para nos envolver de forma irremediável ao jogar habilmente com a história dentro da história, a ficção e a realidade. E a arte-lixo dentro da Arte ou da perversão. A provar que Tom Ford não é apenas um realizador de one trick pony.

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