Sábado, Dezembro 7, 2024
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European Film Awards: homenagem a Jean-Claude Carrière

“A maior decisão na minha vida foi não ter sido realizador”

 

Paulo Portugal, em Wroclaw

 

Jean-Claud Carrière, escritor, dramaturgo, argumentista, autor de temas musicais, ator e até mesmo realizador. O inspirado francês foi homenageado no passado dia 10, na cidade polaca de Wroclaw, Capital Europeia da Cultura, em 2016, ainda que na véspera, muitos tenham desfrutado da ocasião de partilhar com ele a projeção de dois filmes marcantes: desde logo, a curta Heureux anniversaire (1962), a segunda da sua curtíssima carreira como realizador, de parceria com Pierre Étaix, vencedora de um Óscar no ano, e ainda Danton, de Andrzej Wajda, com guião de Carrière.

A  carreira de Carrière é tão impressionante como diversa, espraiando-se pelo cinema, teatro e televisão. O início estará, contudo, indelevelmente ligado aos comediantes Jacques Tati e Pierre Étaix (este último desaparecido em Outubro deste ano), durante os anos 50 e 60. Destacam-se, em particular, as curtas que filmou com Étaix, antes ainda de iniciar uma longa colaboração com alguns dos melhores trabalhos de grandes mestres como Luis Buñuel (Diário de Uma Criada de Quarto, Bela de Dia, O Charme Discreto da Burguesia, Este Obscuro Objeto do Desejo), Miloš Forman, Peter Brook, Volker Schlöndorff e, claro, Jean-Luc Godard, para além de notáveis adaptações (Cyrano de Bergerac, A Insustentável Leveza do Ser).

Por onde começar? Ora, pelo início…

 

Insider – De que forma a sua carreira foi influenciada pelo trabalho que desenvolveu com Jacques Tati e Pierre Étaix, este em particular, que homenageou aqui em Wroclaw, com a exibição de Joueux Anniversaire?

Jean-Claude Carrière – Teve uma enorme influência, claro. Foi essa a minha geração que exatamente a geração da Nouvelle Vague. Eu tinha exatamente a mesma idade que o François Truffaut. Hoje, sou apenas eu e o Godard, já que o Étaix e o Rivette morreram. É um pouco triste. (entretanto, toca o iPhone)...

Se calhar é o Jean-Luc…

Sim, se calhar é o Godard (risos). Onde é que eu ia…

Nas suas influências…

A primeira vez que conheci o Jacques Tati era ainda estudante, mas já tinha escrito um livro, e o meu editor tinha um contrato com o Jacques Tati para transformar em novela, e que viria a ser As Férias do Sr. Hulot. Nessa altura organizou um pequeno concurso entre escritores e novelistas que eu ganhei. Foi assim que entrei no mundo do cinema. E a primeira pergunta que o Jaques Tati me fez, depois de ler o que tinha escrito – e não tinha gostado -, foi: “O que sabe sobre cinema?” Eu disse-lhe que ia à Cinemateca quatro vezes por semana, que via muitos filmes. Mas o que ele queria saber era se eu sabia como se fazia um filme. Aí provou-me que eu nada sabia, pois nunca tinha entrado num estúdio. Essa foi a minha primeira lição. E acabei por “entrar no cinema” pela sala de montagem, com a sua assistente de montagem. Essa foi a melhor porta. O Étaix passava por lá, de vez em quando. É essa a enorme dívida de gratidão que tenho com o Tati e o Étaix.

No entanto, acabou por abandonar a realização e dedicar-se à escrita…

Sim, a maior decisão na minha vida foi não ser realizador. Depois de fazer duas curtas (uma dela é Joyeux Anniversaire) percebi que estava pronto. E poderia ter-me tornado realizador e ter tido algum sucesso. Mas como argumentista podia escrever para o teatro, publicar livros e ser considerado um escritor. Trabalho com o Peter Brook há 47 anos e tem sido a experiência mais fascinante. Algo que dura até hoje. Algo que nunca poderia ter feito se fosse realizador. A partir do momento em que temos a tabuleta de realizador nos ombros podemos ser o rei do reino, mas nunca poderemos ser considerados escritores. Por exemplo, o Jean Renoir escreveu muito mais nunca foi considerado um escritor. Quando tinha 25 anos percebi que tinha nascido no mesmo século que inventou novas linguagens, novas maneiras de escrever, o cinema, a rádio. E eu queria experimentar essas línguas todas. Algo que sendo realizador não poderia. Eu sou um escritor, e de vez em quando um argumentista. É isso. Foi essa a minha escolha.

Depois de ter trabalhado de forma intensa como argumentista, com inúmeros e brilhante realizadores, sente que existe algum traço comum que possa unir parte dessas narrativas?

O que posso dizer é que quanto mais alto é o nível em que se trabalha, mas difícil se torna em ter esse fio narrativo de que fala. Por exemplo, quando se trabalha com o Buñuel percebemos que estamos na final dos Jogos Olímpicos. Por isso, claro que é difícil. Ao mesmo tempo é também muito excitante e desafiante quando se trabalha com um realizador desconhecido. Nesse sentido, o trabalho com Buñuel ou com um novo realizador é semelhante. Tentamos, em conjunto fazer um filme. O mesmo filme. Esse é o objetivo principal. Frequentemente, acontece que um realizador e um argumentista trabalham durante semanas num mesmo objetivo, mas percebe-se depois que não é idêntico. Por isso, devemos certificar-nos disso. De que estamos a trabalhar no mesmo filme, na mesma ideia. Mas também, enquanto argumentista, é preciso ter a noção clara de que é o realizador quem irá fazer o filme. É claro que apresentar ideias é muito importante, mas temos sempre de ter a sensibilidade de perceber quais são aquelas que o realizador acolheu.

Mencionou o Jean-Luc Godard. Quando foi a última vez que falou com ele?

Não foi há muito tempo. Talvez há uns cinco, seis anos. Trabalhámos juntos diversas vezes. E quando fiquei encarregue da escolha de cinema, a Femis, da qual fui fundador e diretor durante dez anos, ele pediu-me se poderia ter um local em Paris para fazer montagem. Encontrámos um local para ele, mas na condição de vir de vez em quando encontrar-se com os estudantes e mostrar-lhes no que estava a trabalhar. Ele acabou por vir uma vez, mas como foi tão rude com os alunos decidiu nunca mais vir. Mas temos sido amigos durante muito tempo. Só que ele tem estado doente. E a verdade é que não falo com ele há cinco, seis anos.

Acha que nunca altura em que a Europa está tão dividida, que o cinema pode ser uma forma de comunhão, de aproximar as pessoas?

Desde o tempo dos romanos, pode dizer-me um período em que a Europa esteve unida?

É verdade…

Desde a Pax Romana… A Europa está dividida por definição. Mas acredito que é esta divisão que faz a Europa. A ideia de uma Europa com a mesma língua, moeda ou comida é algo absurdo. A verdade é que durante o império romano, eles aceitavam todos os deuses, qualquer religião, todas as comidas, todos os novos costumes. Tudo era bem-vindo, desde que aceitassem a Lei Romana. Dois séculos mais tarde, o Imperador Teodósio decidiu que todos os habitantes do Império teriam de ser cristãos, Em 30-40 anos, o império foi arruinado. Ou seja, é a diversidade que faz a uniformização e não o contrário. Se cada um puder ser quem é acaba por trabalhar melhor.

Há dez anos atras, Manoel de Oliveira fez Belle Toujours. Gostaria de saber se o Manoel teve algum contacto consigo ou com Buñuel antes de avançar com essa sua versão…

Sim, teve. Foi muito divertido. Convidou-me para um almoço para me pedir autorização para fazer um filme inspirado em Belle de Jour. Claro que lhe disse que era totalmente livre de fazer o que desejasse, mesmo usar o título. Lembro-me que foi um almoço muito divertido. O homem era adorável. Ele tinha 100 anos nessa altura, ou 99. Mas estava na posse plena das suas capacidades.

Apesar de ter já recebido diversos prémios, o que significa para si este prémio no seio do cinema europeu?

Eu acredito muito no cinema europeu. Sou muito europeu, mas não nacionalista. Mas acho que a cultura, e o cinema faz parte da cultura, pode assemelhar-se a algo como a economia ou mesmo a política. É como um povo que não partilha a sua cultura terá mais dificuldades em desenvolver-se. Mesmo que tenha a mesa bandeira política. Não sou particularmente amador de prémios ou condecorações, mas este prémio toca-me particularmente. E ainda bem que é na Polónia, num país onde trabalhei com o Wajda, mesmo num período muito difícil, nos anos 80. Mas fico muito orgulhoso com as mudanças que vemos hoje.

 

 

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