“Gosto muito do cinema do Miguel Gomes”
Paulo Portugal, em Cannes
Toni Erdmann, o ‘menino bonito’ do passado festival de Cannes, falhou a Palma de Ouro, apesar de ser um dos preferidos – receberia justamente o prémio da crítica internacional (FIPRESCI). Provavelmente, não apenas pelo rasgado aplauso à inesperada interpretação de Sandra Huller ao tema The Greatest Love of All, de Whitney Houston, cantado em parceria com Peter Simonischek. Apesar de tudo não perdeu o seu ‘memento’ e pulverizou os prémios do Cinema Europeu. É, por isso mesmo, um dos favoritos ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, a saber daqui a dias. Decididamente, um trabalho notável da alemã Maren Ade, que se diz encantada pelo cinema de Miguel Gomes, que, de resto, co-produz. Ela que também produz outro filme aplaudido em Berlim (Uma Mujer Fantástica, do chileno Sebastián Lelio). Conversámos com a alemã em Cannes, três dias antes de acabar a montagem, dois após ver o resultado final e um dia depois de passar na competição, ainda mal refeita do trabalho de pós produção.
Disse que foi extenuante terminar o filme, no entanto foi rodado há dois anos. Porquê tanto tempo?
É que tinha cerca de cem horas de filme o que me levou mais de um ano a editar. Entretanto, fui também mãe outra vez. Ainda assim, fiz apenas uma pequena interrupção pois estava determinada a acabar o filme.
Já tinha a ideia de que seria um filme tão longo? Vejamos, quase três horas é pouco comum.
Eu tive desde cedo a noção de que não existiria mesmo outra alternativa. Provavelmente, poderia ter tirado uns dez minutos. Mas acho que ficaria com a sensação de que o filme tinha ficado dez minutos mais longo em vez de mais curto. Às vezes até uma curta metragem pode parecer longa de mais, é tudo uma questão e ritmo.
De onde vem esta personagem do Toni Erdmann?
Interessava-me há muito tempo por este tópico de família, estes papéis muito estáticos, estes rituais que se repetem. Por outro lado, as pessoas sentem que são diferentes, mas não tem possibilidade ou vontade de o demonstrar. A minha ideia de partida era com esta espécie de duelo entre pai e filha, como forma de a conhecer melhor.
Haverá também aí algo da sua relação com o seu pai?
Talvez. O meu pai é brincalhão e tem um bom sentido de humor, algo que me tem acompanhado ao longo da vida. Eu até lhe tinha oferecido uma vez uns dentes postiços que ele por vezes usava. Isso foi algo que lhe ‘roubei’.
Não deixa de ser interessante esta sua liberdade narrativa, sobretudo tendo em consideração o seu filme anterior (Todos os Outros) em que era tudo devidamente programado e escrito.
A verdade é que se fosse ler agora o guião perceberia que está bastante próximo do que lá está. Ainda assim, quis que houvesse essa liberdade na expressão dos atores e emotividade. E acabo sempre por incluir algumas dessas sequências em que existe mais improvisação. Acaba por ser uma mistura.
Onde encontrou inspiração para a personagem da Sandra Huller, aquele ‘magnífico monstro’?
Fiz uma pesquisa grande do tipo de mulheres trabalhadoras, embora sem saber exatamente qual seria o seu trabalho específico. Achei interessante o especto de consultora, já que encerra um lado de ‘role play’, que desaconselha aspetos mais emotivos. Por outro lado, isso funcionava bem com o Toni que também interpretava o seu papel. No fundo, ela interpreta diversos papéis, que acabam por trespassar a sua vida privada.
Falemos da Naked party…
Ela tem uma naked party apesar de não querer ter uma naked party. Mas gosto muito desse momento porque é muito humano. Ela está a quebrar um tabu, que ao mesmo tempo não é tabu. Tem apenas o título de naked party. É um momento em que vale tudo que a deixa embaraçada.
Quais são os realizadores que mais admira?
Gosto muito do cinema do Miguel Gomes, e do seu filme As Mil e Uma Noites.
Que produziu, não foi?
Sim, sou co-produtora.
Também do Tabu…
Sim. Mas lembro-me de estar em Buenos Aires com Todos os Outros (2009) e vi uma retrospetiva dos filmes dele, sobretudo as curtas. Encontrei-me com o Miguel e com o seu produtor (Luís Urbano), por acaso ambas as nossas companhias são bastante semelhantes, muito empenhados naquilo que fazem. Desde essa altura temos trabalhado juntos. Gosto muito da liberdade que ele usa enquanto realizador. Isso inspirou-me muito.
Porque escolheu o Peter Simonischek, um austríaco?
Não sei porquê, acabo sempre com um ator austríaco… No casting achei que não iria resultar, porque era já tão semelhante à personagem do Winfried. Só tive de mudar o cabelo.