Olivier Assayas marcou uma vez mais encontro com Kristen Stewart. Desta vez, em Personal Shopper, um filme exibido em competição no passado Festival de Cannes, no que parece ser uma provocaçãozinha onde o realizador francês convoca o estilo do ghost story para dar uma aparência ténue a um drama psicológico decorado pelos vícios da celebrity culture. Podemos até indagar se Kristen Stewart não será ela própria uma espécie de fantasma num filme onde procura o espectro do irmão-gémeo falecido, mas onde o meio de comunicação privilegiado se concretize via SMS. A ideia, se assumida, até teria a sua valência. Até porque esta nova colaboração de Stewart com Assayas parece até uma emanação de As Nuvens de Sils Maria, o filme que há dois anos ambos trouxeram a Cannes. Será este um filme de almas-gémeas?
Infelizmente, essa eventual comunicação entre fantasmas ou aparências não transmite ao espectador entusiasmo suficiente que evite o exercício redundante de uma peça sobre o glamour e a sua aparência. Nada a apontar a miss Stewart, que se limita a segurar o filme – aparece em quase todos os planos! -, vestir e despir algumas roupinhas de marca, ainda que a melhor prestação neste filme se reduza a uma atuação a solo numa prolongadíssima comunicação com o seu iPhone.
Depois da morte do mano-gémeo, Maureen (Stewart) procura reerguer-se como personal shopper de Kyra (Nora Von Waldstatten), uma celebridade da moda parisiense, que é também uma variante light do papel de assistente pessoal que Kristen assumira em Sils Maria diante da personagem de Juliette Binoche. Só que Maureen é polivalente e tem também a faculdade de médium, que lhe permite comunicar com o além. Mediante um pacto prévio celebrado com o irmão, aquele que primeiro abandonasse o mundo dos vivos tentaria entrar em contacto com o outro. Assim se estreitariam as dúvidas sobre essa porta mágica.
O olhar ausente de Stewart, que a alguns fará recordar os fantasmas de Twilight, estará afinal de contas, mais calhado para ilustrar a inexpressividade do sentimento de perda, se bem que a expressão seja igualmente acertada para seguir no chat com a tal personalidade desconhecida. Uma sugestão ao universo de scary movie que começa a ser sugerido, até porque o filme começara com um curioso encontro imediato da médium numa casa abandonada onde os objectos se movem com algum voluntarismo.
A proposta de deixar o espectador um lugar de convívio próximo com algo indizível até pode ser um indício para uma exploração narrativa suficientemente atraente, se bem que o dilema de Personal Shopper fraqueje ao manter essa tensão, de eficácia algo pueril, até ao final. Ao tentar subverter alguns elementos mais óbvios do género, Assayas consegue criar uma leve tensão de algústia. O pior é quando percebemos que a maior eficácia se traduz na longa troca de mensagens entre Maureen e o seu desconhecido ao longo de uma viagem de TGV entre Paris e Londres. Aqui, algo nos faz pensar que o filme não terá chegado ao seu destino.
Personal Shopper promete muito mas, hélas, não devolve da mesma forma. O que é pena. Assayas deixa assim pelo caminho uma incursão velada ao universo sobrenatural. O que explica, de certa forma, a recepção algo algo fria (e assobiada!) com que o filme foi brindado a primeira sessão de imprensa em Cannes. Se foi um projecto a pensar em Cannes, Assayas errou o alvo.