Vai mesmo um verão danado em Locarno! Provavelmente, o ambiente ideal para receber o filme do português Pedro Cabeleira que passa na secção competitiva dos Cineastas do Presente. Mas há mais Portugal nesta 70ª edição. Desde logo, a presença de Miguel Gomes no júri oficial para a competição ao Leopardo de Ouro, num painel liderado pelo cineasta francês Olivier Assayas, bem como a excitante curta de Cristina Hanes, António e Catarina, em competição na secção Pardi di Domani, e a de Miguel Moraes, O Homem de Trás-os-Montes, apresentada fora de competição.
Só que a embaixada lusitana não se fica por aqui, num festival tradicionalmente “amigo” do nosso cinema. Assim estão também selecionados três co-produções com referência portuguesa: 9 Doigts, de F.J. Ossang, que teve recentemente uma retrospectiva no Curtas de Vila do Conde, e estará presente na competição internacional; Milla, da francesa Valérie Massadian (ela que foi vencedora em 2011 com o seu filme precedente); e ainda Era uma Vez Brasília, do brasileiro Adirley Queirós, integrada na secção experimental competitiva Signs of Life.
Chegar aos 70 de boa saúde é sinal de uma maturidade incontestável. Assim se passa com o Locarno Festival (e já não Locarno Film Festival, porque é mais do que cinema!). É na recusa à cedência ao compromisso cintilante das starlettes, red carpetes e afins que o festival que decorre na região italiana da Suíça afirma a sua personalidade. Assim, de 2 a 12 de agosto será “o cinema a olhar o futuro” que dominará as sessões na Piazza Grande, onde confraternizam 8 mil convivas sentados, bem como nas restantes salas do festival.
Ainda assim, o festival receberá alguns convidados dignos de nota: desde logo, com destaque para as homenagens a Nastassja Kinski, Adrien Brody, Fanny Ardant, bem como aos cineastas Jean-Marie Straub, Alexander Sokurov e Todd Haynes, sem esquecer o multifacetado Mathieu Kassovitz.
Desde que iniciou a sua história em 1946, poucos meses depois de Cannes, e uns anos a seguir ao de Veneza (que iniciou em 1932), Locarno cedo firmou a sua direção no sentido de localizar “novos talentos e inspirações”, conforme reiterou Carlo Chatrian, o diretor artístico do certame, em entrevista à Screen International.
Por exemplo, soube apoiar o emergente cinema neo-realista, conferindo a Roberto Rosselini o prémio principal (que hoje tem o nome de Leopardo de Ouro) para o filme Alemanha, Ano Zero, para além de ter acompanhado todo o movimento da Nouvelle vague e o surgimento de novos cineastas, como Kubrick, Jarmusch, Lav Diaz ou Todd Haynes.
Num festival em que a história do cinema é levada muito a sério, torna-se incontornável também a retrospectiva do cineasta francês, Jacques Tourneur, que ganhou estatuto de culto a trabalhar nos Estados Unidos, e na qual será exibida grande parte dos seus filmes, incluindo naturalmente clássicos como Cat People (1942), I Walked With A Zombie (1943) ou o clássico do noir Out of the Past (1947), em cópias de 34mm. Este vai ser mesmo um festival danado!