Pedro Cabeleira acaba de partilhar Verão Danado com a imprensa exigente em Locarno, onde foi exibido na sessão competitiva Cineastas do Presente, uma secção destinada a primeiras e segundas obras. Seja como for, deixa já uma marca no mais recente cinema português. Não só por ter sido feito sem orçamento – na nossa entrevista o realizador diz que partiu para o filme com 1600€ e uma câmara emprestada -, mas talvez ainda mais importante, pelo facto de nos oferecer um cinema instintivo, orgânico ao qual é difícil de resistir. Vive-se como uma trip, por isso mesmo também pode deixar ressaca.
Este é também um filme com uma tremenda atualidade, ao evocar aquela geração que vive o limbo prolongado entre as expectativas de acabar um curso e perceber que a realidade, afinal de contas, adia sine dia os planos profissionais. É o que se passa com Chico (Pedro Marujo), um moço do interior que se deslumbra por uma Lisboa hip e entra num turbilhão alucinante onde os vapores da weed se confundem com os ritmos tecno e hip-hop das noites longas.
De certa forma existirá muito de Cabeleira na deriva do Chico, o jovem licenciado que vai durante do verão para Lisboa para responder a entrevistas de emprego. Para depressa perceber que mais depressa acabará a servir em restaurantes. No caso de Cabeleira, foi também este filme que operou a ponte entre a Escola de Cinema e o mundo real. Nesse sentido, confessou-nos, foi o filme que o ensinou a ser realizador. Talvez por a necessidade o obrigar a esgotar-se na criatividade. Mas como experiência de filme feito com muito boa vontade não está nada mau. Pelo contrário, aplaude-se um filme orgânico que flui e cuja energia espontânea, ainda que calculada, nos cativa e provoca. Tudo fruto de uma narrativa alinhavada de acordo com um guião organizado como se fosse um diário da vida desse rapaz.
Seria talvez excessivo traçar alguma comparação com Gaspar Noé. Apesar de Verão Danado trilhar um caminho muito mais realista que o cinema do francês, percebemos como acaba por comunicar com a deriva incessante e igualmente orgânica de Irreversível e sobretudo com o lado mais tripado de Enter the Void – Viagem Alucinante. É claro que um dos principais méritos desta viagem ao fundo da noite lisboeta é criar um tecido fílmico e sonoro que apenas resulta pela forma como Pedro Cabeleira traduziu essa espontaneidade para o ecrã e Leonor Teles, que assegurou a fotografia do filme, a captou com a sua câmara inquieta.